*Benedito Ferreira Marques
HERÓI, MAS NÃO TANTO ASSIM!
A mídia da semana passada ocupou-se de um
assunto que poderia ser classificado como trivial, se não se tratasse do
personagem que protagonizou os noticiários. Refiro-me ao Procurador da
República - agora ex-chefe da chamada “Força Tarefa” da Lava Jato -, o qual foi beneficiado com o arquivamento de um dos vários processos
administrativos disciplinares (PADs) contra ele instaurados perante o Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP). A
decisão do Colegiado deu-se por um só motivo: prescrição das possíveis penas. Para quem, no início da operação
de combate à corrupção, havia apregoado que a prescrição era o fator
preponderante para a impunidade, cabe o antigo brocardo: “o feitiço virou
contra o feiticeiro”. A ocorrência da prescrição de penas, que poderiam, em
tese, ser aplicadas no caso concreto desmascarou o arauto da moralidade
autoproclamada. A maioria do CNMP votou
pelo arquivamento do processo, não sem que alguns manifestassem seus
constrangimentos, pelo fato de que o julgamento foi adiado nada menos do que 41
vezes, em quatro anos. A morosidade
gerada pelos sucessivos adiamentos gerou, na opinião pública, a sensação de que
as pautas foram deliberadamente direcionadas para os rumos da prescrição penal
administrativa e, por via de consequência, consagrou a IMPUNIDADE. Bastou que
saísse o resultado do julgamento, para que o conhecido membro do Ministério
Público Federal voltasse à cena nas redes sociais – ao menos duas vezes eu o vi
-, com discursos melosos, em tom de orador de comícios em palanques eleitorais.
O tom era quase de declamação; vale dizer, o orador misturou as duas situações.
Só não percebeu quem não quis. Não se pode negar que a “Operação Lava Jato”
vem sendo marcante na história republicana brasileira, no combate à corrupção.
Muitos “figurões” dos mundos político e empresarial foram envolvidos, alguns
ainda estão presos, outros estão em regime de prisão domiciliar, carregando
incômodas tornozeleiras eletrônicas. Alguns aguardando julgamento de recursos
interpostos e poucos absolvidos. Registre-se, a bem da verdade, a recuperação
de valores expressivos ao erário, graças ao instituto da “delação premiada”
instituída no ordenamento jurídico nos governos “petistas” – é justo ressaltar.
Mas, ao meu livre-pensar, não se pode endeusar figuras isoladas desse processo,
a menos que se queira malferir o princípio da impessoalidade a que se submetem os agentes públicos. Houve - e continua
havendo -, um trabalho coletivo,
equipes de Procuradores e de agentes da Polícia Federal, sem o que o proclamado
êxito do mais famoso processo de combate à corrupção teria sido pífio. A propósito,
no processo do apelidado “mensalão” não se ouviu falar em recuperação de
valores aos cofres públicos. É uma pergunta que muitos se fazem. Para alguns
analistas, o Ministério Público falhou em não postular condenações pecuniárias,
além das prisões; para outros, os crimes apurados naquele processo tinham outra
natureza. Grosso modo, rolou a corrupção, à luz das condenações tornadas
públicas. Afinal, a “compra e venda” de parlamentares para votações de
interesse de governos itinerantes é um “negócio” ilícito e inaceitável, pois o
preço pago sai dos bolsos minguados de quem paga impostos. O óbvio salta aos
olhos!
A partir dessas
premissas, parece-me conveniente conferir o que dizem os dicionários sobre o
significado do vocábulo CORRUPÇÃO:
“O ato ou efeito de se corromper, oferecer algo para obter
vantagem em negociata, onde favorece uma pessoa e prejudica outra. Tirar
vantagem do poder atribuído. Corrupção vem do latim corruptus, que significa “quebrado em pedaços”. O verbo corromper
significa “tornar-se podre”.
Não há mistério na
interpretação do conteúdo dessa definição, que se sustenta sobre dois pilares:
o corruptor e o corrupto. O primeiro pratica o ato marcado pela ilicitude; e o
segundo se beneficia desse ato ou de seus efeitos, ou seja, leva uma vantagem. Isso não quer dizer que toda
corrupção envolva dinheiro; o que importa é a vantagem auferida em detrimento de alguém, no caso, a sociedade,
que recolhe tributos e precisa de transparência na condução da coisa
pública.
Pois bem. No enredo desta narrativa, o
sujeito focado é o combativo Procurador, porquanto ele mesmo havia proclamado,
alto e bom som, no anúncio bombástico da “Operação”, que a prescrição era o mal determinante para a impunidade. Destarte, ao ser beneficiado com o arquivamento de um
dos processos administrativos disciplinares instaurados contra ele, por força
de 41 adiamentos do julgamento, não há como negar que obteve vantagem,
graças às pautas adiadas, pelas quais alguém foi responsável. Nunca é demais
repetir: foram 41 vezes, em quatro anos!
O processo foi arquivado sem apreciação do mérito. Tal benesse foi
tão escandalosa, que o aguerrido “menino” (como se qualificou em um dos vídeos)
se sentiu encorajado a ocupar as redes sociais como paladino do combate “à
maior corrupção da História do Brasil”. Pousou de herói e saboreou o gáudio.
Esqueceu-se, porém, de que arranjos
corporativos também podem ser classificados como corrupção, na medida em
que propiciam eventuais impunidades, justamente pela ocorrência de prescrição
de possíveis penas. Quem perdeu foi a
sociedade, que ficou lambendo os beiços para saber a verdade, já que não foi revelada,
porque o mérito do processo não foi apreciado.
A conclusão óbvia a que se pode chegar é
a de que o destemido Procurador, ex-chefe da “força-tarefa” pode ser
considerado por muitos (talvez milhões) brasileiros como HERÓI, mas não tanto
assim!
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004).
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