Coluna SEXTA DE NARRATIVAS - O VATICÍNIO DE UM URUMBEVA

 


Francisco das Chagas Miguel, conhecido desde a infância por CHIQUETA, nasceu no Povoado Espingarda, viveu e residiu nessa localidade e no povoado Laranjeiras, onde era muito admirado pelo seu trabalho como ruralista e também por ser muito engraçado com suas LOROTAS, termo usado na região da minha Buriti querida como sinônimo de estórias divertidas. Exímio pé de valsa, trabalhava normalmente de segunda a segunda, no entanto se havia Féxta no sábado, no domingo, ou até mesmo no mêi de semana como ele dizia, ninguém o convidasse para trabalhar pois ele não dispensava o saculeijo de uma saia por nada nesse mundo!

Assim era a vida do CHIQUETA, também apelidado de PAPÔCO, pois falava muito alto em qualquer ocasião, inclusive em velórios, eventos nos quais a sua presença era sempre esperada, porque ele era um animador de tristezas, contando passagens alegres da vida do falecido ou da falecida. Só faltava se estivesse muito doente, uma raridade pois era muito sadio.

Nos velórios onde normalmente havia muita cachaça e muitas comidas típicas da nossa região, CHIQUETA fazia a propaganda afirmando que fora uma Fextonaaaa!

Possuía uma Força Interior muito estranha que ele dizia ser uma CIENÇA, e nunca se descobriu mesmo o que era. Se ele olhasse para uma serpente, mesmo grande e da espécie venenosa seria a morte certa da bicha, sem nenhuma lesão produzida por qualquer instrumento material. Se alguma pessoa da redondeza se ferisse com faca, com facão, com foice, com machado ou com qualquer instrumento cortante ou perfurante e sangrasse, mandava-se avisar ao CHIQUETA imediatamente para não chegar sequer perto da  casa da vítima, porque se isso ocorresse, poderia o ferido ir a óbito, era assombroso! As mulheres que trabalhavam na produção de óleo do babaçu ou da mamona e no fabrico artesanal do sabão, avisavam antecipadamente ao nosso amigo, que não as visitasse no período em que estivessem trabalhando nessa área. Se ele passasse pelas Casas delas ou pelo menos gritasse próximo, o azeite, ou o sabão viravam borra. Ele gentilmente sorrindo, atendia aos pedidos nesse sentido. Era amigo mesmo e sabia que a sua CIENÇA prejudicava infalivelmente. Foi muito amigo do meu pai que sempre tinha serviço para ele, que era o Caboclo Bom de Serviço de Roça em geral, da derrubada, da queimada, do encoivaramento, da feitura da cerca, da plantação e da colheita. Eu também era seu amigo e compadre de Fogo, aquele Sacramento feito no período junino, diante das Fogueiras, através do juramento; " São João disse, São Pedro confirmou, que nós seremos compadres (ou comadres) porque Jesus Cristo mandou. Viva São João, Viva São Pedro e Viva Nós, meu Compadre".

Sacramento válido para sempre e assim fomos compadres verdadeiros durante todo o seu CAMINHAR terreno. Cresci e depois de Diplomado no Curso Primário, fui para São Luís estudar na Cidade Grande, assim dizia meu Compadre. Quando chegavam as férias e eu estava em Laranjeiras, ele me visitava e sempre se admirava do meu crescimento dizendo, Cumpadeeeee, Rocê tá um Pileiraaa de Homee, Siô, Êitaa!

Ríamos muito, ele contava-me as suas histórias e estórias e eu contava as minhas também para ele, até que um dia voltei Bacharel em Direito e ele passou a chamar-me Doutor Djalma. Dei-lhe um abraço e pedi-lhe que continuasse a tratar-me por Compadre, como de costume. Ele penitenciou-se e disse-me em reverência: pois tá bem, Cumpade doutor, seu Caboco Véi qué ir pun-a Féxta no sábu e num tem nem um Tustâo furado e eu vendo que RocêRicuuu, puriquê esse seu Cárru bunito deve valê umas mil lata de arêa! Entre sorrisos e abraços, dei-lhe o dinheiro da cota da festa e o suficiente para a pinga.

O Tempo seguiu o seu ritmo contínuo e muitos outros reencontros com o meu amigo e compadre CHIQUETA aconteceram, até que um dia cheguei em Laranjeiras e tive uma triste notícia de que ele, com 88 anos de idade estava doente, prostrado mesmo no dizer popular. Apressei-me em visitá-lo e o encontrei deitado em uma rede de pano, meio sonolento. Aproximei-me, peguei a sua mão e dei-lhe bom dia. Abriu os olhos rapidamente sorrindo e com o grito alegre de sempre disse, Graças a Deus meu Cumpade, eu ainda lhe !

Fiquei cheio de ESPERANÇA e disse-lhe: Você ainda vai viver muito, meu Compadre, eu estou aqui para ajudar-lhe, você vai ficar bom.

Chamei o filho dele de nome Tica e pedi-lhe que preparasse a sua sacola de viagens com algumas roupas, pois eu iria levá-lo para um hospital na cidade de Chapadinha imediatamente. Ele fitou-me, segurou a minha mão, colocou-a junto do seu coração dizendo-me: Cumpade doutor, discupe, Cumpade Dijalma, Rocê sempi foi homee e é meu amigo e eu feliz por Rocê tê vindo me vê, mar num gaste seu din-eiru não, não tem mais jeito, eu vivi mais da conta, muito gradicido pur tê sido meu amigo inté oje!

Começamos juntos um choro suave abraçados, dei-lhe uma quantia em dinheiro e ele agradecendo chamou seu filho Tica dizendo, é pras vela, pro café e pra cachaça dos cavador da sepultura meu.

Contive o pranto por um instante, tentando ser forte e despedi-me dele e da sua Família.

Três dias depois recebi a notícia do falecimento dele. Confirmava- se o Vaticínio do meu Compadre CHIQUETA, um Urumbeva Sábio e INESQUECÍVEL!


SOBRE O AUTOR

É buritiense, ardoroso amante da sua terra, deu seus primeiros passos no velho Grupo Escolar Antônia Faria, cursou o Ginásio Industrial na Escola Técnica Federal do Maranhão e Científico no Liceu piauiense e no Liceu maranhense, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito/UFMA, é advogado inscrito na OAB/MA, ativo, Pós-graduado em Direito Civil, Direito Penal e Curso de Formação de Magistrado pela Escola de Magistrados do Maranhão, Delegado de Polícia Civil, Classe Especial, aposentado, exerceu todos os cargos de comando da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, incluindo o de Secretário. Detesta injustiça de qualquer natureza, principalmente contra os pobres e oprimidos, com trabalho realizado em favor destes, inclusive na Comarca de Buriti. 


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