Coluna SIM, É O BENEDITO - CANTOS DISPERSOS: AGREMIAÇÕES ESTUDANTIS E CIDADANIA

AGREMIAÇÕES ESTUDANTIS E CIDADANIA

Em palestra para os estudantes do nível fundamental, do Complexo Educacional Carmem Costa, em Buriti (MA), no dia 13 de março deste ano, incentivei a meninada a organizarem um grêmio, como entidade de representação do corpo discente daquela escola, que tem aproximadamente 800 alunos. Foi apenas uma semente que me encorajei lançar naquele solo fértil, depois que a Diretora me informou a inexistência institucional de um grêmio estudantil.

A ideia não me parece extravagante, na medida em que as crianças de hoje demonstram habilidades impressionantes no manuseio de equipamentos eletrônicos de ponta, propiciados pelas tecnologias modernas. As comunicações midiáticas favorecem interlocuções em tempo real, e isso não existia nos meus tempos infantis, quando sequer se falava em cidadania. Cidadãos eram os nossos pais e amigos da mesma geração, que votavam e recebiam votos em eleições periódicas, marcadas por cooptações eleitoreiras, hoje repugnadas e vedadas por rígida legislação, em proveito do sentido cívico do voto.

Quando proclamo que as minhas convicções político-ideológicas foram forjadas nos movimentos estudantis dos tempos ginasianos, em Parnaíba (PI), nos idos de 1953-1958,  estou reforçando a minha compreensão de que o meu engajamento naqueles saudáveis movimentos moldou o meu caráter, a par da rígida educação paterna. Se hoje, já em avançada idade (83 anos) adoto postura destemida no enfrentamento de desafios factíveis, vejo que os aprendizados extracurriculares permearam a minha formação de cidadão consciente. Aprendi a ganhar e a perder disputas, inclusive esportivas, sem perder a urbanidade e o equilíbrio emocional. Não é o que se vê, hoje, quando a cultura da paz e da harmonia cedeu espaço para o conflito, às vezes incontornável, gerando até cizânias familiares.

Vim de uma geração em que minha cidade (Buriti-MA) só tinha uma escola pública municipal, cujo alunado não chegava 50, com apenas quatro professoras. Nossos uniformes (bermudas e saias, distinguindo os gêneros) de cor azul marinho, confeccionados com um tecido chamado “cretone”, completados com camisas de mangas curtas de cor branca, feitas com um tecido chamado “tricoline”, tendo no bolso as iniciais E.R.M. (Escola Reunida Municipal) bordadas em azul. A indumentária completava-se com calçados de tamancos barulhentos nos passos apressados.

Ao que se informa, Buriti, atualmente, dispõe de 8 escolas municipais, 8 estaduais e 3 privadas, acolhendo centenas de alunos, com dezenas de professores. Cada estabelecimento adota uniformes próprios, que são responsáveis por belo colorido nos desfiles coletivos programados. Não se usam mais os incômodos tamancos daqueles tempos de em calçamento de pedras e passeios cimentados, que produziam sons repetidos, a noticiar os transeuntes.

O cenário escolar de hoje não se compara com os de outrora. A população cresceu, de forma vertiginosa, e o universo estudantil é também outro. Os seres humanos são, por natureza, evolutivos, e essa evolução se manifesta nos comportamentos e traquejos afeitos aos novos costumes e hábitos. As metodologias de ensino procuram acompanhar essa evolução, e buscam harmonizar os conteúdos e práticas, adaptando-se às tecnologias. As realidades de hoje não são as realidades do final da década de 40 e início da de 50, do século passado. São naturais e compreensíveis as mudanças advindas.

Vejo, contudo, que essa evolução não contaminou as organizações estudantis, em torno de si mesmas. Parece que o esvaziamento compulsório das entidades estudantis durante os  governos do período de 1964 a 1985, arrefeceu os ímpetos que sacudiam os movimentos estudantis, antes daquele período. Na Faculdade de Direito de São Luís, na qual cursei o bacharelado, além do aguerrido Centro Acadêmico Clodomir Cardoso (o famoso CACC), havia um “Parlamento-Escola”, constituído por cinco representantes de cada turma, formando um corpo de 25 acadêmicos idealistas e militantes. Pertenci àquele “Parlamento”, no primeiro ano (1961), para onde levei a minha experiência do grêmio secundarista de Parnaíba. No ano seguinte, já me tornara Tesoureiro da UME (União Maranhense dos Estudantes), que congregava 761 universitários naquela época, quando ainda não havia universidades, senão apenas cursos superiores isolados (Direito, Odontologia e Farmácia, públicos; e Medicina, Filosofia, Pedagogia, Enfermagem e Serviço Social, da Arquidiocese). No ano seguinte, já me elegera Presidente da UME, até que interrompi meu curso, para ingressar no Banco do Brasil. E toda essa minha participação nas lides estudantis não prejudicou o meu desempenho como estudante; ao contrário, os aprendizados se completaram.

Não posso negar que a minha experiência na militância da política estudantil foi fundamental na construção das minhas convicções político-ideológicas, que ainda hoje sustento, sem jamais me filiar a qualquer sigla partidária.

Os grêmios estudantis propiciam o surgimento de líderes; despertam criatividades; ensinam a convivência social civilizada; alimentam ideias e iniciativas proativas, que contribuem para a melhoria do processo ensino-aprendizagem; estimulam a cultivar o respeito e o companheirismo desapaixonado; orientam a combater os preconceitos e a discriminação. Esses são valores éticos que precisam ser resgatados, urgentemente, no momento em que comportamentos maniqueístas, marcados pela intolerância e pelo ódio, comprometem a boa convivência e o sentido da verdadeira dignidade humana.

Uma agremiação estudantil bem estruturada departamentaliza as atividades peculiares aos infantes e jovens, direcionadas para a prática esportiva, para as celebrações das efemérides  (“Dia dos Estudantes”, “Dia das Crianças” etc.) e da própria escola; promove a iniciação aos mecanismos de comunicação séria e confiável; aguça talentos não revelados para o teatro e para outras práticas culturais que enriquecem o aprendizado extraclasse; enfim, cria condições para a realização de congressos, seminários, simpósios e ações sociais, abordando temas da atualidade, nas áreas  de educação (reformas de ensino, por exemplo), saúde mental, violência nas escolas etc. Não faltam atores coadjuvantes, que podem ser convidados, tais como profissionais da própria comunidade (professores, Juiz, Promotor, Advogado, médicos, odontólogos, bancários e outros), ou de outras cidades.

Um grêmio estudantil congrega, agrega e fortalece a representatividade junto à direção da escola, com a qual pode contribuir nas deliberações de interesse geral do estabelecimento; com o que ganha protagonismo no crescimento da unidade educacional; e, além disso, cria condições para a realização de eventos proveitosos para os segmentos discente e docente.

A vivência associativa oportuniza a salutar compreensão do real significado da cidadania, que compreende direitos e deveres em sincronia, que constituem o arcabouço básico do estado democrático do direito. A observância de regras estatutárias não significa freios disciplinadores, mas, sim, a linha demarcatória de direitos estabelecidos, fortalecendo a noção de solidariedade, apanágio da convivência respeitosa e construtiva.

Se a ideia de fomentar a criação formal de grêmios estudantis, em Buriti (MA), tiver aceitação em cada escola, a aglutinação dessas entidades numa entidade maior (União Buritiense dos Estudantes – UBE, por exemplo) torna-se factível, e quem ganhará com isso será a sociedade com um novo segmento organizado, que poderá marcar posições decisivas em circunstâncias marcantes na vida da cidade, sem conotações partidárias. Além disso, horizontes promissores se abrirão para ações sociais de largo alcance, com a consequente valorização do humanismo.

O desafio está posto.

 SOBRE O AUTOR

BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais.NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros. 

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