ALÉM DA LUPA - A FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DOS SÍTIOS RURAIS - Parte II

*Por Benedito Ferreira Marques           

   A FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DOS SÍTIOS RURAIS – Parte II

  Na primeira parte desta abordagem, acentuei que a expansão dos extensos campos de soja na microrregião em que se situa o Município de Buriti (MA) e outros – o que ocorre também nos Estados do Tocantins, Piauí e Bahia, em nome de um projeto chamado MATOPIBA -, está sendo responsável pela proliferação desenfreada de minifúndios rurais em larga escala, fazendo desaparecer as pequenas e médias propriedades. Isso é fato incontroverso, dadas as aquisições das áreas agricultáveis que se incorporaram a outras adquiridas a preços atraentes – segundo se informa, beirando a “preço vil” -, sem preocupações ambientais e de culturas herdadas da ancestralidade. Certo ou não, ouviram-se os discursos argumentativos de desenvolvimento prometido. Ao que tenho observado, a maioria dos alienantes de terras   cansaram da mesmice, repetida ano  a ano, e passaram a acreditar na pregação otimista de “dias melhores”! Desfizeram-se de suas áreas agricultáveis, reservando-se a casa de morada e quintais para pomares e criações de animais de pequeno porte para a sua subsistência. Presumo que os preços recebidos ganharam outras aplicações não financeiras e aquisições de bens de consumo, à farta. O futuro dirá se esse fenômeno foi benéfico para o meu torrão natal. Oxalá os meus conterrâneos tenham acertado! Tomara que os meus vaticínios nebulosos sejam desmentidos!

   Talvez a opção mais inteligente tivesse sido a utilização dos contratos de arrendamento por certo tempo, percebendo os arrendatários aluguéis compatíveis com a comercialização dos produtos pelo arrendador, com o que seriam preservadas não apenas as titularidades dominiais, mas também o meio ambiente, já que tais contratos agrários são regidos por regras socioambientais rígidas. Não foi, porém, o caminho escolhido, e o resultado é que a realidade é outra. Os contratos de arrendamento passaram ao largo das cogitações nas investidas dos arautos da monocultura, do que resultou o banimento da agricultura familiar, que se caracterizava pela produção diversificada, casada com a agroindústria, no fabrico de farinha, goma, tiquira, rapadura etc.  Esse cenário mudou, pois o que se vê, agora, são moradores com seus quintais diminutos, transformados em sítios improdutivos, do ponto de vista econômico.

   O propósito desta abordagem, todavia, não é o restabelecimento da situação anterior, diante da irreversibilidade patente que se apresenta o novo quadro. O que era pequena ou média propriedade se transformou em pequenos sítios, mantendo-se as moradias com seus quintais de frutas e criações de subsistência, sem outras perspectivas.

  Fazer o quê? É a pergunta que não quer calar. Já a fiz e continuo fazendo em minhas reflexões quase diárias, vestindo a camisa de jusagrarista e jusambientalista confesso, e as respostas que me acodem à mente só me empurram para alternativas que exigem presença física, lastimavelmente inviabilizada pela distância que me separa da terra-berço.

 Pertenço a uma família que herdou uma área de 20 hectares, no bucólico lugarejo Barro Branco, naquele município de Buriti (MA). Não estamos desenvolvendo nenhuma atividade tipicamente agrária – e seria até um suicídio ambiental, se transformássemos a pequena área em roça de mandioca para o fabrico de farinha, quando não temos sequer a infraestrutura de uma “casa-de-forno”.  Quando muito, teríamos apenas uma pequena colheita de uma única safra, ao fim da qual nos restaria uma capoeira ociosa. O que temos feito é uma pequena estrutura de lazer para visitas esporádicas e, em prol da comunidade, um miniparque esportivo composto de uma quadra com iluminação elétrica noturna e uma pista de atletismo. Além disso, um pequeno espaço que abriga uma biblioteca e um minimuseu de ferramentas utilizadas em ciclos passados, e, ainda, um salão para encontros fortuitos, subutilizado. Já preocupados com a desertificação que se desenha no horizonte, no  entorno de nossa diminuta gleba - quando os extensos campos de soja que nos circundam   já não derem respostas econômicas almejadas -, estamos dando os primeiros passos de um projeto em montagem, com o plantio de mudas das árvores frutíferas das chapadas dizimadas, num esforço de preservação. Por enquanto, chamamos de “moita”, uma área disponibilizada para ambientalistas voluntários plantarem mudas de pequi, bacuri, cajuí, murici e o que mais for possível.  Sem cortes de árvores formadas ainda existentes, estamos idealizando uma trilha ecológica para pedestres e ciclistas, dotando a área de razoável infraestrutura para visitantes. Além disso, temos uma pequena piscina natural para banhos em tempos não chuvosos, como atrativo de lazer.

            Para os outros sítios vizinhos ou de outros lugarejos, não me parece utópico a implementação de projetos em nível individual ou coletivo, na linha do associativismo, desenvolvendo atividades preservacionistas da flora, que vão desde o replantio em sistema de “muvuca, até a organização de cooperativa de produtores de crédito de carbono.  A fauna vem a reboque. A recuperação e manutenção de nascentes que sustentam os riachos interligados também podem ser alvo de projetos pilotos, inclusive com incentivos governamentais em suas políticas públicas.

  Não ignoro, nessa ideia futurista e factível, que o envolvimento de entidades públicas vinculadas a Ministérios e/ou Secretarias estaduais e municipais, em suas políticas de incentivos, exigem estruturas jurídicas mínimas. Pensando exatamente nesses meandros burocráticos, estamos analisando a viabilidade de uma organização não governamental (ONG) nos moldes de uma fundação ou de um instituto de fomento à pesquisa e à educação ambiental e esportiva, que possa servir de modelo para outras iniciativas semelhantes, agregando os inúmeros minifúndios do Município de Buriti (MA).

   A proposta objeto deste ensaio tem como foco dar sentido aos inúmeros minifúndios que se criaram com a expansão dos campos de soja para exportação, retirando-os do limbo da indefinição no sistema da estrutura fundiária, e inserindo-os no contexto socioeconômico do município a que pertence. A ideia é inspirada na concepção de inclusão e de ações afirmativas implementadas em governos passados para excluídos, que bem podem ser reativados, inclusive em gestões municipais vindouras com a eleição de novos Prefeitos no próximo ano. Almejo que esta proposta seja assimilada nas plataformas dos candidatos,  como  projetos  afirmativos de inclusão dos minifúndios marginalizados, na estrutura fundiária produtiva do agro brasileiro.  

 Essa é a intenção deste artigo.

                        OUSAR É PRECISO. AVANÇAR É NECESSÁRIO.

 SOBRE O AUTOR

- Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1967); cursos de Especializações (Direito Civil – Direito Agrário e Direito Comercial) e Mestrado em Direito Agrário, todos pela Universidade Federal de Goiás; Doutorado em Direito, pela Universidade Federal de Pernambuco; Professor de Direito Civil, na PUC-Goiás (1976-1984) e de Direito Civil e Direito Agrário (Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás /UFG (1980-2009). Advogado do Banco do Brasil (1968-1990). Diretor da Faculdade de Direito da UFG (2003-2005) e Vice-Reitor da UFG (2006-2010). Autor de livros jurídicos e não jurídicos (15) e de artigos científicos em revistas especializadas. Conferencista e palestrante em congressos, seminários e simpósios. Tem outorgas de títulos de “Cidadão Pedreirense” (1974), “Cidadão Goiano” (2007) e “Cidadão Goianiense” (1996), além de dezenas de medalhas de honra ao mérito. Pertence ao Quadro de Acadêmico-Fundador da Academia Buritiense de Artes, Letras e Ciências – ABALC, onde ocupa a Cadeira nº6, que tem como Patrono Plínio Ferreira Marques. Colabora com artigos e crônicas para o “Correio Buritiense”.

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