Enigmas
comportamentais de uma família política
OS MEDOS DOS MODOS
Suponho
que todos que tenham acesso à mídia já viram e ouviram uma autoridade policial
responder à imprensa:
-
O modus operandi do
meliante nos leva a acreditar que ele foi o autor de outros crimes, ainda em
investigação.
Talvez
o entrevistado nunca tenha estudado Latim - há muito tempo considerada língua morta.
Talvez nem saiba a tradução da expressão pronunciada. Afinal, o que significa modus
operandi? Os dicionários de expressões latinas respondem: modo de
operar.
A parte introdutória desta narrativa tem
o objetivo de tentar entender o comportamento de uma família de políticos em
evidência diária na mídia. O pai, antes de ser internado para se submeter a um
procedimento cirúrgico, anuncia o nome de um Procurador da República para ser
nomeado Procurador Geral da República,
depois de sabatinado e aprovado pelo Senado Federal. Mas o faz, ressaltando que
não quer um chefe do Ministério Público Federal que seja “xiita” em matéria
ambiental. Ele disse: “não quero” –
entenda-se, o nomeado será obrigado a satisfazer seus caprichos em matéria
ambiental; ou seja, se não atender aos seus desígnios, será demitido, tal como
já fez com tantas outras autoridades por ele nomeadas, inclusive a mais
recente, o Secretário da Receita Federal. Não rezou em sua cartilha, rua! Não é
bem assim, como se verá em frente.
Já
no hospital, um dos filhos que exerce o mandato de deputado federal - que pretende ocupar o honorabilíssimo cargo de
Embaixador do Brasil nos Estados Unidos -, ali aparece em justificável visita ao
pai convalescente, mas o faz exibindo, sem explicação plausível, uma pistola na
cintura. Intimidar a quem? Amedrontar a quem? Ou terá sido falta de confiança
na segurança presidencial e do hospital? Qualquer resposta serve, menos aos que
têm bom senso.
Outro
filho, também parlamentar na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, posta uma
mensagem em redes sociais, na qual verbera: “Pelas
vias democráticas, não é possível fazer as reformas com a brevidade que se quer”. Se não estou enganado, foi esse mesmo quem dissera,
durante a campanha de 2018, que, para “fechar o Congresso Nacional bastariam um
cabo e um soldado”. Fechar o Congresso Nacional é podar um dos três
Poderes da República, e desequilibrar o tripé previsto na Constituição da
República Federativa do Brasil, que ficaria capenga e fragilizada, o que
significaria desrespeito à soberania do voto popular. Talvez o destemido
cidadão tenha esquecido de que não existe democracia relativa, nem se concebe esse
regime sem respeito à Constituição, que foi jurada pelo pai e por todos quantos
assumiram cargos públicos relevantes. Posso imaginar que até os vereadores da
Câmara Municipal do Rio de Janeiro não fugiram à regra. O juramento é sagrado!
É evidente
que esses comportamentos ganharam grande repercussão na imprensa, nas suas
diferentes modalidades, e ecoaram negativamente na sociedade e na esfera dos
dois outros Poderes da República, haja vista as manifestações de desprezo dos
Presidentes do Senado e da Câmara, em público e de viva voz. Todos vimos e
ouvimos; não estou inventando nada.
Curioso
é que, depois desse impactante despautério, não faltou quem justificasse a
atitude do jovem edil, inclusive o próprio mano, que antes pousara armado na
unidade hospitalar, ao ocupar a tribuna da Câmara Federal, e dizer, alto e bom som,
que o irmão não tinha dito “nada de mais”,
senão apenas quisera aquietar a ansiedade de uma parcela da população. Sabe-se,
no entanto, que a grande maioria da população, ainda que silenciosa, torceu o
nariz para tão grande aberração, revelando indignação e perplexidade. E mais
que isso, preocupações e medos que se exteriorizaram em manifestações ainda tímidas
e cautelosas. Quem vivenciou e viveu os fatos de 1964 a 1984 sabe o que
aconteceu. As novas gerações não sabem, a não ser que tenham feito alguma
leitura sobre o Relatório da Comissão
Nacional da Verdade, cujos resultados práticos ainda não se fizeram sentir,
como admitiu um dos membros daquela auspiciosa Comissão, O Professor José Carlos Dias, ex-Ministro da Justiça
no Governo Ferrando Henrique Cardoso
(PSDB), em entrevista no Roda Viva
da TV Cultura, declarou que “já estamos em regime de exceção”.
Cabe,
aqui e agora, uma defesa do Órgão do Ministério Público, a partir da
clarividente redação do artigo 127 da Constituição Federal, cujo teor merece
transcrição, em benefício dos que não estão afeiçoados à leitura de textos
normativos:
Artigo 127. O
Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Nada tão claro e eloquente!
Impõe-se
observar na mesma regra, que, entre os princípios institucionais ali
ditados, pontifica a independência funcional (§1°) do
Ministério Público. Além disso, a destituição
do Procurador Geral da República pelo Presidente da República somente se dará
mediante aprovação da maioria absoluta do Senado Federal (artigo 128, §2°).
Vale dizer, o Chefe da PGR não é demissível ao talante do primeiro mandatário
da nação, como poderá ter imaginado, ao equiparar o escolhido a uma “rainha” no
tabuleiro do xadrez, sendo ele o “rei”. Ledo engano! Dir-se-ia em trocadilho:
”Aras égua! (arre égua é uma expressão
muito utilizada no Nordeste, em situações de surpresa, espanto ou admiração).
Não
há o que discutir. O Ministério Público deve ter total independência em sua atuação funcional. Também é indiscutível que,
pela mesma Carta Magna, o Presidente da República é a autoridade competente
para indicar o nome e, se aprovado no Senado Federal, nomear o Chefe do
Ministério Público Federal. Jamais, porém, poderá submetê-lo à sua orientação
política e convicções ideológicas pessoais, sob ameaça de demissão, a menos que
se usem pistolas ostentadas em hospital e postagens audaciosas em redes sociais.
Aí, já não é o Estado Democrático de
Direito, em que se sustenta a DEMOCRACIA. Afinal, cabe ao
Procurador Geral da República apresentar denúncia perante o Supremo Tribunal
Federal (STF) contra autoridades federais dos três Poderes republicanos,
inclusive o próprio Presidente da República, que, eventualmente, tenham sido indiciados
como autores de delitos puníveis. A autonomia da autoridade ministerial
apresenta-se absolutamente indispensável em sua dimensão mais ampla. Não se
compreende, portanto, qual foi o intuito da autoridade presidencial em expor
publicamente e comprometer a atuação do escolhido para ser o Chefe da PGR. Esse
enigma só os fatos vindouros e a História poderão decifrar.
Não se consegue enxergar, por outro
lado, qual a finalidade de exibição de uma arma de fogo em visita, dentro de um
hospital, ao lado do seu pai paciente, pacientemente por ele suportada. Qual o
propósito desse acinte? Proteger o pai
em convalescênça num estabelecimento hospitalar cercado de seguranças oficiais
por todos os lados? Não parece uma
justificativa plausível. Por outro lado,
não socorre ao parlamentar a condição de agente
policial - e, portanto, com direito de porte de arma -, já que ali não
estava no exercício da respeitosa função policial, uma vez que é deputado
federal e preferido para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos Este é outro
modus operandi desagradável e injustificável.
O terceiro comportamento é do vereador
carioca que passou a mensagem nítida de que a DEMOCRACIA não está fazendo bem
ao Brasil, porque estaria retardando as reformas. Aliás, tais reformas não foram
divulgadas em campanha, o que retira a consistência da desculpa posterior de
que atendera aos reclamos do eleitorado. E o pai, depois de sair do hospital,
respondeu aos repórteres que o filho dissera o óbvio: ”Ele disse o óbvio”. Cada
um tire suas conclusões, com ou sem medos desses modos de ser de uma
família de políticos profissionais que ascendeu ao Poder. Eu tiro minhas conclusões sem medos desses
modos. E, nesse toar, volto
ao modus
operandi dos três políticos. Se as atitudes suscitaram polêmicas
jurídicas e políticas de toda ordem, não se pode descartar que produziram MEDOS. Medo de não se ter um Procurador
Geral da República independente, mas submisso aos caprichos presidenciais; medo
de que ele relaxe a vigilância constitucionalmente atribuída nas questões
ambientais, que são induvidosamente de interesse
social, no momento em que se combatem milhares de focos de incêndios, e em
que se discute a questão ambiental no Brasil e no mundo inteiro. O medo de que
a pistola ostentada à cintura do parlamentar destemido insinue e estimule,
ainda mais, o ódio e a intolerância que vêm dividindo a nação brasileira, como
se não fôssemos uma nação soberana e verdadeiramente democrática. O medo de que a
democracia esteja passando pelo ensaio de rupturas institucionais, arquitetado
nos escaninhos da Corte, a partir de uma postagem sem qualquer sentido, a não
ser o de afrontar o Congresso Nacional, por onde tramitam os projetos de
reformas.
O
propósito desta abordagem não é incitar o medo, nem acirrar ânimos de incautos.
O que me inspira o enredo desta narrativa é a necessidade de convidar a quantos
acessarem esta coluna a fazerem reflexões sobre a atual conjuntura nacional,
que perpassa um problema social agudo e uma situação econômica desanimadora.
Convido-os a refletirem sobre a importância do pleito vindouro, em 2020, quando
novamente seremos chamados às urnas. O fortalecimento da democracia passa,
inevitavelmente, por nossas escolhas de Prefeitos e de Vereadores no próximo
ano. São estes que estão na base da
pirâmide política e, portanto, mais próximos da problemática social. Caberá a cada
um de nós a nobilitante responsabilidade pelos destinos não apenas do
fortalecimento do regime democrático, mas, sobretudo, de ditar os rumos do
nosso País, desestimulando a disseminação do ódio e da intolerância, bafejados
por opções ilusórias. Não podemos tolerar a substituição da democracia pujante e sólida pela familiocracia deslumbrada.
Assim,
os modos
inadequados não podem gerar medos acomodados.
Urge que se desvendem os enigmas comportamentais exemplificados e que nos
mobilizemos em linha de contraponto. Esse é o caminho.
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais. NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.
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