Por Benedito Ferreira Marques
O BOI DE VADIAR E A FOGUEIRA SOLITÁRIA
“São João dice e São Pedro confirmô; pra nóis cê cumpade qui Jesus Cristo mandô” (Autoria desconhecida)
De
mãos dadas sobre a fogueira branda, os afeitos pronunciavam, em conjunto, as
palavras sacramentais em forma de juramento na cerimônia inventada por não se
sabe quem. Mudavam de lado duas vezes e repetiam o ritual. Tornavam-se
compadres para o resto da vida e, quase sempre, mantinham esse cumprimento recíproco
de “cumpade” para o resto da vida, mesmo sem que nenhum tivesse dado um filho
para afilhado, como ocorre nas cerimônias religiosas católicas. Selavam-se,
ali, uma fidelidade e uma lealdade que se confundiam na amizade até a morte. Celebrava-se, naquele momento, um dos mais
sagrados costumes do folclore brasileiro, em tempos de festas juninas. As
fogueiras de São João e de São Pedro compunham o cenário propício nos terreiros
das casas, no interior e na cidade. As famílias se reuniam, alegremente, nas
calçadas, saboreando aluás adoçados com rapadura e contemplavam o espetáculo de
tochas em fila, quebrando o escuro da noite, e ofuscando as luzes dos postes da
energia elétrica. Não havia calçamento, muito menos se falava em asfalto. Nem
São Luís do Maranhão tinha essa capa negra cobrindo as ruas, como hoje. Na “Cidade
dos azulejos”, o paralelepípedo foi escondido - com trilhos de bonde e tudo -,
debaixo da massa grafite pelo primeiro Prefeito eleito, Epitácio Cafeteira. Em Buriti, o chão batido que, nas chuvas copiosas
do inverno, transformava-se em atoleiros, foi coberto por calçamento de pedras
brutas, numa engenharia considerada moderna, até então, pelo Prefeito Raimundo
Nonato de Almeida, que também construíra a “Praça Felinto Faria” em frente à
igreja-Matriz, entregando os canteiros para os cuidados das famílias. Era outra
a paisagem!
Antes
desses melhoramentos, famílias interessadas pagavam cachês módicos a donos de
“boi de vadiar”, confeccionados com adereços simples, para dançarem nos
terreiros iluminados pelo fogueiras imprescindíveis. O boi dançava ao som de matracas por boieiros
fantasiados de fitas multicoloridas (menos preta), com chapéus de palhas não menos
enfeitados, entoando enredos musicais ensaiados. O boi vadiava, dançando em
ritmo alegre da toada escolhida no repertório. À frente do boi, posicionava-se
o “Pai Francisco”, acompanhado pela “Catirina”. A meninada alvoraçava-se,
freneticamente, lançando seus traques e busca-pés comprados a preço acessível,
pipocando ruídos efêmeros, na tentativa inócua de queimar o boi. Mas o
dançarino que o carregava às costas era mais esperto. Molhava o manto que o
cobria, como se fosse o couro, em águas de riachos alhures. Não havia traques
nem busca-pés que o queimassem. A exibição durava o tempo necessário, até que
se esgotasse o repertório do cantador. A brincadeira terminava com a morte e a ressurreição simbólicas do boi. Uma encenação que emocionava a quantos se aglomeravam em
volta dos artistas vocacionados. E a fogueira queimava até virar cinzas.
Hoje,
o chão batido veste-se de asfalto e as fogueiras não se fazem mais. Os bois de
“vadiar” introduziram instrumentos musicais e a molecada já não se atreve a atirar
no animal fictício os seus traques e busca-pés, que foram substituídos por
girândolas multicores.
Essa viagem nostálgica ao passado distante foi inspirada na foto de uma fogueira ardente com labaredas nas alturas, iluminando o céu, que me postou a mulher do zelador de nossa casa de veraneio em meu querido torrão-berço Barro Branco (Buriti-MA). Nenhuma palavra dita, nem uma legenda escrita. Era a Bárbara que me dizia, em silêncio ensurdecedor, que minha mensagem inscrita em dezenas de adesivos distribuídos a quantos ali estavam, na manhã ensolarada do dia 2 de março de 2019, na inauguração da “Pista de Atletismo Raimundo Ferreira Marques”, tinha encontrado eco: O Barro Branco vive! Vive, ainda que simbolizado na forte imagem da fogueira solitária!
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004).
Já vadiei nesse boi.
ResponderExcluirDe manhazinha fui olhar o riacho que estava cheio. No caminho, de volta, achei uma moeda de um cruzado. Era branquinha e luminosa.
ResponderExcluirA fogueira é solitária, e o golpe do prefeito no povo de Buriti e bem no coração.
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