Homenagem ao ambientalista WASHINGTON NOVAES
*Benedito Ferreira Marques
EM DEFESA DOS POVOS INDÍGENAS
Por mais de três décadas exerci o magistério superior, na
área de Direito. Passei por diferentes disciplinas, mas a que mais me seduziu e
me deu prazer foi o Direito Agrário,
que abriga uma temática fascinante. Não que eu tenha trabalhado em lavouras,
como fizera o meu pai, antes de casar-se. O fascínio talvez se explique na
compreensão de que a nossa mesa, a mesa dos brasileiros (arroz, feijão, leite,
hortifrutigranjeiras etc.) são produzidos pelos agricultores familiares, e não,
por grandes produtores que sustentam a exportação. Talvez se justifique pela convicção
de que o processo de distribuição de terras neste País-Continente tenha sido
distorcido e injusto, gerando latifúndios e minifúndios improdutivos. Talvez se
compreenda pela sensibilidade social que me aguça e que forjou a minha personalidade,
a despeito das profissões que o destino me propiciou. O certo é que as questões
sociais me tocam. Não sem razão, visitei acampamentos e assentamentos dos
chamados “sem terra”, juntamente com meus alunos de graduação e de
pós-graduação, para cruzarmos o teórico com o prático; a utopia com a
realidade; para sentirmos a problemática agrária fora das quatro paredes.
Entendi que o magistério devia e deve ser assim.
Sustentando
a máxima de que “quem ensina também aprende”, certa feita, numa aula empolgada
de Direito Agrário, eu exaltava os índios, em função de suas atividades extrativistas
e de agroindústria primária, tipicamente classificadas na doutrina como
agrárias. Um aluno, da fila de trás – sempre da fila de trás -, quase me deixou
de “calças curtas”: “Professor, o senhor já visitou alguma aldeia indígena”?
Escapei por pouco de redondo zero na avaliação discente. Tinha visitado uma
aleia, da tribo Canelas, em Barra do Corda (MA), por mera curiosidade, na
década de 60 do século passado. O nosso
guia sugeriu-nos levar pacotes de sal, como “agrado” aos anfitriões. Não que os índios fossem hostis, mas para
sermos recebidos sem desconfiança. Ali, naquele momento, dei-me conta de que
eles não tinham geladeiras para estocar os peixes fisgados nos rios e lagos.
Foi um dia de aprendizado, na prática, e nem pensava que, um dia, iria dar aulas
sobre as atividades dos índios. Também não imaginava que, anos depois, comporia
um Conselho Consultivo da FUNAI, a convite de uma Professora antropóloga, da
Universidade Federal de Goiás, para contribuir com a redação de um regimento
interno daquele Conselho, para estabelecer critérios de concessões de
licenciamentos. Foi por pouco tempo, em função de mudança de governo, mas o
suficiente para assimilar certas questões que ferem os direitos indígenas,
indubitavelmente humanos. Suas culturas, culinárias e curas medicinais,
além da preservação do meio ambiente, jamais podem ser relegadas a segundo
plano, na crença equivocada de que “os índios são preguiçosos”. Não, isso
não!
Agora, em meio a uma epidemia que já ceifou mais de uma
centena de milhares de vidas, minha atenção se volta para os noticiários
repetitivos e infindáveis sobre a tragédia que alcança as comunidades
indígenas. Minhas reflexões vão para além do seu habitat natural, e se transportam para o externo; para os que
invadem suas reservas, para a extração de madeira nobre, deixando capoeiras
para alimentarem incêndios gigantescos; para os que – na maior das vezes, sem
titularidade dominial legítima e legal -, extraem minérios; para “grileiros”
insaciáveis que se apropriam de reservas indígenas – demarcadas ou à espera de demarcações burocráticas -, para
formarem pastagens de grandes áreas na exploração da pecuária extensiva; para
os que matam índios em espreitas e arapucas armadas, confiados na impunidade
protegida. A esse triste quadro adicionam-se,
agora, os efeitos trágicos da pandemia do COVID 19. E, aí, as lucubrações
voltam-se para as autoridades responsáveis pelas políticas públicas. Não se
vislumbram medidas efetivas; não se enxergam programas eficazes. O descaso, aparentemente
proposital, produz a desagradável sensação de extermínio programado. Tem sido assim, desde quando o Brasil foi
“inventado”, há mais de 520 anos! Segundo dados noticiados, eram cerca de cinco
milhões de índios na chegada de Cabral. Dizem que, hoje, não chegam a um milhão,
e já morreram mais de 700 pelo novo corona vírus. Parece que oficializaram um duplo lema: mata as matas e chama as chamas! Vale a pena refletir sobre essa realidade, ao
menos em homenagem a quantos se embrenharam no meio das selvas, por meses a
fio, para estudarem os povos indígenas, como o fizera Washington Novaes, falecido
em Goiás (25.8.2020), onde residia há anos.
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004).
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