Genocídio e etnocídio em tempos de pandemia
*Por Benedito Ferreira Marques
SUICÍDIO COLETIVO
Dias
atrás, a mídia enfatizou, em tom apocalíptico, alarmantes comentários sobre
duas palavrinhas perigosas: genocídio e etnocídio. A primeira, por
conta de uma bombástica declaração do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que considerou o
comportamento absenteísta do Ministro interino da Saúde um genocídio, na medida em que a curva de mortes provocadas pelo contágio
do COVID 19 estava num crescendo assustador, enquanto o Ministério mudava a
metodologia de divulgação dos números de casos e de
óbitos. A curva subia - e continua subindo -, e ainda se diz que não chegamos
ao pico, passados ao menos cinco meses de pandemia. Entrementes, as atenções se
voltam para a mortandade de centenas de índios, desfalcando o já diminuto
contingente dos primeiros habitantes do Brasil. Os motivos eram óbvios: a falta
ou insuficiência de políticas públicas capazes de refrear a disseminação do
vírus, exatamente onde os recursos de socorros são mínimos, dificuldades que se
somavam com a distância das redes hospitalares. Isso é etnocídio – bradam os defensores dessas comunidades. As duas
palavras foram replicadas nos meios políticos, empresariais e, com realce, nos
segmentos mais sensíveis às questões sociais. Mas, ao que parece, os vocábulos que traduzem
extermínio
de grupos humanos começam a ser banalizados, não por mudanças comportamentais
dos governantes, senão pelo cansaço justificável e pelo desânimo induzido. Os
veículos de comunicação de massa voltam-se para os incêndios no Pantanal, para
o desmatamento desenfreado na Amazônia, para a gangorra do prende-e-solta do casal
Queiroz, e até para as eleições presidenciais
nos Estados Unidos. É sempre assim; um
fato encobre o outro.
As duas palavras que se
somaram a outros “cídios” (homicídio, feminicídio, infanticídio, parricídio, fratricídio,
suicídio e mais que queiram) deixaram de ser neologismos. É uma linguagem nova com que todos passamos a
conviver, sem nos darmos conta de que estamos falando de “mortes”, somente por
causa do Corona vírus, que ainda
assusta o mundo inteiro, à míngua de uma vacina segura e de remédios eficazes.
As alternativas que se oferecem no combate à mortal doença continuam sendo o isolamento
e o distanciamento sociais, a lavagem de mãos com sabão, o uso de álcool em gel
e de máscaras. Seguramente, há outras
mortes, por causas diversas, que não se noticiam.
Nesse contexto, há quem atribua o número crescente de óbitos
de pessoas de todas as idades a posturas descoordenadas de autoridades ou ao stress decorrente das prisões
domiciliares voluntárias, cuja intensidade começa a se esvaziar, com a abertura
gradual das atividades econômicas. Também há os que atribuem a triste
estatística de sepultamentos ou cremações de corpos, à comorbidade, na maioria dos falecidos. Pode
ser. O que me repugna é a avalanche de “receitas milagrosas” que se divulgam
nas redes sociais, sem comprovação de sua eficácia pela Ciência. Se fosse assim
tão fácil, pouquíssimas pessoas teriam deixado este mundo, às vezes, precocemente,
incluindo profissionais da saúde, verdadeiros heróis que salvam vidas. A esperança de vacinas e de remédios eficazes,
cientificamente comprovados, continua sendo o alento de milhões que resistem em
ficar em casa, adotando todos os protocolos recomendados. A sensatez não pode e
não deve ser vencida pela irresponsabilidade dos incautos.
Há pessoas que se alinham à corrente que sustenta ser o
suicídio um momento de loucura. Outros há que afirmam, convictamente, que os
suicidas sabem o que fazem e por que fazem. Não me atrevo a dar palpites,
porque não é da minha área de conhecimento. Não consigo aceitar, no entanto, que as aglomerações que vêm acontecendo em
toda parte, mesmo antes das medidas de afrouxamento das restrições, se
constituam motivos racionais para os ajuntamentos humanos em bares,
restaurantes e praias, a não ser que aceitemos a ideia não científica de que essas pessoas estão em “momentos de loucura”. Não consigo aceitar que a liberdade propiciada
pelas tais flexibilizações sejam decisões sensatas, ainda que eu reconheça a
necessidade de milhões de pessoas que buscam o trabalho, os meios de ganhos
para a sua sobrevivência e de sua família. É uma triste realidade, lastimavelmente! Contudo, não cabe na minha compreensão a
justificativa de que esses comportamentos sejam de natureza psicológica, apelos
ideológicos, orientações religiosas e sectarismo político. Não entendo de
psicologia, mas também não me apraz admitir que muitas dessas aglomerações decorram
de fanatismos inconsequentes e pragmatismos eleitorais, estimulados por
atitudes inconsequentes. O que me parece
é uma onda gigantesca de manifestações insanas que beiram à irresponsabilidade.
Talvez essas pessoas estejam criando uma nova figura no vocabulário: suicídio coletivo.
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004).
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