Eu tinha dez anos e três
meses de idade na época, na minha Buriti querida, cidade que costumo chamá-la
de Meu Torrão Sagrado. Havia uma Senhora aparentando seus trinta e cinco anos,
com traços fisionômicos finos, apesar de claramente sofrida, conhecida por
LAZARINA.
Todos os dias, muito cedo
ela empreendia uma caminhada desde a sua casa na Rua Inácia Vaz, até o Mercado
Público Municipal ainda hoje existente no extremo da cidade.
A praça da Matriz
buritiense era permeada de Amendoeiras frondosas e carregas de frutos, que nós
meninos, adorávamos muito, pela sombra e pelas GOSTOSAS amêndoas. Era o trecho
ESPECIAL por onde também diariamente passava a protagonista principal desta
história marcante na minha infância que só retorna na minha memória e daqueles
com quem convivi feliz, apesar dos entreveros entre nós. Éramos o suplício da
vida de LAZARINA, porque também diariamente subíamos nas amendoeiras para
colhermos frutos, mas principalmente para esperarmos a passagem daquela
criatura que para toda a cidade, era apenas uma LOUCA. Quando ela dava o
primeiro passo na Praça, começávamos a Gritar em coro e bem forte: LAZARINAAAA,
PÚL, PÚL, PÚL, ÊH LAZARINAAAA! Ela, que normalmente vinha CALMA cantando o Hino
da Padroeira da cidade, Sant' Ana, no seu nan, nan, nan, nani, nan, nan, nan,
nan, se desesperava e chorava convulsivamente chamando-nos Bando de Diabos,
Vocês só fazem isto comigo por culpa do Osvaldo, que me tomou o Buriti que a
minha Mãe me deu, Urubus dos Infernos! Para nós garotos, (urubus) era o máximo
conseguirmos irritá-la e levá-la realmente à LOUCURA, enquanto ela continuava
seguindo o seu caminho e culpando o Osvaldo, que na VERDADE era o senhor
Osvaldo Faria, o prefeito da cidade, um prefeito muito humano e muito amigo,
além de muito simples e pelo que conheci da sua história, muito honesto, no meu
conceito.
Um determinado dia uma
curiosidade tomou conta da minha mente e eu refleti sobre a minha atitude e dos
meus colegas, uns mais velhos, outros da minha idade. Decidi pesquisar sobre a
origem daquela mulher, nossa irmã, de pele negra, no entanto da nossa raça, a
RAÇA HUMANA, e entendi que estávamos sendo muito maus e desumanos. Meditei por
algumas horas por onde iniciar o meu trabalho investigativo. Depois de muito
pensar, lembrei-me do Tabelião do 2° Ofício de Registro Civil de Buriti, o
senhor Antonio Ferreira Campos, um gentleman,
amigo do meu PAI e do meu avô e de todas as famílias da cidade. Parte do
problema estava resolvido, pensei sozinho.
No dia seguinte, devidamente
vestido na minha garbosa farda do Grupo Escolar Antonio Faria, fui a casa e
cartório do seu Ferreira, como era chamado na intimidade, encontrando-o à
janela, seu hábito matinal. Apressado, o cumprimentei e ele alegremente respondeu
ao meu cumprimento e elogiou-me com uma interrogação: o quê que o meu
doutorzinho deseja?
Contei-lhe do meu desejo
de saber a origem e o nome de LAZARINA para que eu tentasse ajudá-la.
Ele mudou o semblante e
senti-o entre admirado e contente, e novamente outra interrogação: ajudar a
LAZARINA, como doutorzinho?
Respondi-lhe que ainda
não sabia, no entanto eu iria ajudá-la.
Seu Ferreira,
imediatamente se dirigiu à porta da sua casa e disse-me entre e sente-se.
Sentei-me atento e
ansioso, e ele começou a responder a minha indagação.
O nome da LAZARINA é
Maria Francisca da Silva, e a família dela é do município de Brejo, mas já mora
em Buriti há muitos anos. Ela não é LOUCA, tem somente uma ilusão de que a mãe
dela lhe deixou uma herança. Se não mexerem com ela, ela é uma pessoa muito
calma.
Emocionado agradeci ao
seu Ferreira e falei com voz trêmula, que já sabia como ajudar a nossa LAZARINA.
Ele sorriu e falou: Boa
sorteeee doutorzinho!
Segui para a Escola, e em
lá chegando comecei o meu trabalho de ajuda a nossa LAZARINA, iniciando a
conversa com o colega Francisco Sousa de Sousa, o Chico Boca de Fogo, apelidado
assim, porque o pai dele, um caminhoneiro era conhecido na cidade por esse
nome. Em seguida fui conversando com os demais colegas, sempre isoladamente,
pra não gerar discussão à toa e por em risco o meu trabalho cristão. Encerrado o diálogo com todos os meus colegas
de turma, pedi ao meu irmão Wilson para ajudar-me a convencer os colegas da
turma dele. Surpreso ele respondeu com uma pergunta, ficou Doidoooo? E num
segundo dizer brincando, que iria ajudar-me.
No dia seguinte o grande
Dia. Às oito horas matinais, um sábado, sem aula, fui esperar a LAZARINA na
calçada do CINE TEATRO BURITIENSE, e em cinco minutos ela apareceu cantando o
Hino de sempre. Postei-me diante dela e cumprimentei-a com um suave e alegre
BOOOOM DIAAA, dona Maria Francisca da Silva ao que ela retrucou, bom dia,
MINIMO, quem te disse meu nome?
Não respondi e passei a
falar sem dar-lhe tempo de interromper-me.
A partir de hoje NINGUÉM
mais irá zangar a senhora, eu não vou deixar, com a ajuda de DEUS e da nossa
Padroeira Sant ' Ana, está BEM?
Ela olhou-me sorrindo,
puxou-me para um abraço, seus olhos começaram a lacrimejar e disse-me comovida:
MININO, tu tem um coração
muito bom, tu já é um HOMEEEEEEE.
Tomei-a pelo braço,
acompanhei-a até o início da Praça Matriz, esperei que ela subisse e desse os
primeiros passos, ela voltou-se para uma olhada e recomeçou tranquila a
cantarolar o Hino da Padroeira de Buriti.
Daquele dia em diante Ela
NUNCA mais foi atormentada por nenhum de NÓS, durante o nosso tempo de
convivência juntos.
Tenho
a CERTEZA de que dona Maria Francisca da Silva, está Feliz no Jardim dos
Eleitos por JESUS CRISTO, porque Ela mereceu e foi na Terra dos Humanos a LOUCA
mais SÃ, que eu conheci.
Meu amigo Djalma, não podemos esquecer das deliciosas loucuras da Lazarina. O senhor Antonio Ferreira sabiamente lhe apresentou a lucidez de Maria Francisca da Silva e apontou ao então garoto Djalma uma direção: o de respeito a inesquecível LAZARINA.
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