Na Sexta-feira que antecedia o Domingo de Ramos, antes do início da primeira aula, todas as professoras do Grupo Escolar Antonio Faria, das Escolas Reunidas Municipais e da Escola Paroquial da minha Buriti querida, faziam uma preleção sobre o Ritual da Semana Santa, recomendando o cumprimento das regras da religião Cristã no período e aproveitavam para uma eloquente despedida que nos sensibilizava.
Daquele momento em diante, a
concentração na aula era dificultada pela ansiedade do seu fim, haja vista as
expectativas do recesso escolar e a CERTEZA de muita ALEGRIA que iríamos ter e
vivermos nas nossas Casas durante os oito dias Santos.
O sábado era para nós, eu, o meu irmão
Wilson, a minha irmã Erinda, o meu primo Francisco e a minha prima Mary, que
morávamos com os nossos Avós, um dia aparentemente com mais horas diante do
volume de expectativas, a começar pela espera dos condutores dos nossos
transportes (cavalos, burros e jumentos) que os nossos pais mandavam para nos
levarem até aos nossos Lares em Laranjeiras, o nosso Povoado Amado, o nosso
Recanto PREDILETO.
A viagem era Domingo de Ramos depois da
Missa, que também parecia, e era mesmo, a mais longa de todas.
Encerrada a Missa de Ramos, nos
despedíamos dos nossos colegas e amigos, dos nossos Avós e pegávamos as nossas
bagagens, montávamos nossos animais, comandados pelos nossos amigos Babá (Osmar)
Chiqueta, ZÉ Loura ou Alfredim e com os Corações, Almas e Mentes em festa
iniciávamos a nossa viagem rumo à FELICIDADE total!
Naquele dia, certamente um Capão ou uma
Galinha caipira grande, cozida no leite ou assada/cheia, no azeite do babaçu
seria o almoço. Só em relembrar, ainda sinto o cheiro e o sabor daquela
delícia, feita pelas mãos da minha INESQUECÍVEL Mãe, assessorada pela fiel
amiga e comadre Lourdinha.
Depois da refeição e do repouso da
viagem pra evitar ISPARRELA, ou congestão digestiva, ciência cabocla
corretíssima, o banho no colossal e imponente Rio Preto, com o seu manancial de
água límpida, protegido por uma vegetação nativa, verdejante e preservada nas
suas margens, incluindo os buritizais, juçarais, buritiranais e bacabeiras.
Mergulhos, nados de peito, de costas,
pulos mortais de cima da ponte de pau-pombo e até de árvores que nasceram à
beira das suas margens a propósito, para todos NÓS, por obra e bondade da MÃE
Natureza, aquilo sim, era VIDA!
Ao anoitecer daquele dia, entremeado de
tanta alegria, de tantas aventuras, logo após o jantar, a conversa sadia com parentes
e amigos, no acolhedor Terreiro da nossa Casa. Assuntos variados e alegres sem
faltar o plano estratégico da confecção do Judas, com o Testamento escrito para
pessoas muito bem Escolhidas, que aceitassem as gozações respeitosas, a fim de
que tudo acontecesse num clima de confraternização e o Sábado de Aleluia fosse
de VERDADE uma Festa de União. Outro tema que não poderia faltar eram os bolos
tradicionais, de puba, doces e naturais (sem açúcar ou rapadura), bolos de goma
lisa, de caroços, manuês, petas, todos assados nos fornos de Barro e
impreterivelmente na Quarta-feira de Cinzas à tarde, no entanto ao amanhecer,
já deveria estar-se com todo o material armazenado, lenha seca e carvão,
juntados na casa do forno, pois a partir desse dia, não se trabalhava a não ser
no preparo dos alimentos, as imagens de Santos e de Santas eram cobertas com
panos limpos, não se cantava, a não ser músicas sacras, não se
assoviava(assobiava) não se brigava, nem se batia nem em
animais e quem descumprisse esses regras estava fadado a ser punido
severamente nas primeiras horas de
sábado de Aleluia.
Lembro-me que minha Avó paterna, muito
católica e disciplinadora (com uma palmatória e um chiquerador de couro seco de
boi), havia falado para todos nós, que na semana Santa não se podia Bater em
gente e nem em animais, porque era o mesmo que Bater em JESUS Cristo.
E exatamente numa Quinta-feira Santa, o
meu primo Luzimar deu um chute no TUPEGA, um cachorro nosso muito inteligente
que cantava como Galo.
A minha prima Mary vendo a AGRESSÃO,
gritou desesperada: mamãeeee, o Luzimar Bateeeeu em JESUS CRISTOOOOOOOO!
Todos, nós as crianças, sorrimos muito
e até a minha tia Diquinha tentando ficar séria e relembrar a punição do
faltoso, não segurou a Gargalhada, sendo o Pecador perdoado!
Eu adorava todos os Costumes ou Hábitos
tradicionais da nossa Gente, praticados com respeito e devoção naquela época,
no entanto um me tocava profundamente o CORAÇÃO, era a prática da Partilha
ensinada por JESUS CRISTO no episódio bíblico da multiplicação dos Peixes e dos
pães, que para nós em Laranjeiras e em todos os Povoados do nosso município era
chamado de Vizinhança.
Consistia numa troca específica de
alimentos na semana Santa, entre os moradores de uma mesma Comunidade.
Papai sempre se prevenia para esta
prática divinal comprando um paneiro de peixes secos do LAGO, reservava da
nossa pequena QUITANDA, trinta latas de sardinhas e Açúcar em porções de meio
quilo e de um quarto de quilo para participarmos da Vizinhança.
Enfim, o esperado Sábado de ALELUIA!
O Papai ordenava o nosso amigo Babá a
despertar os nossos parentes e amigos vizinhos com o ESTANPIDO de um TIRO de
Ronqueira (um equipamento de Ferro em forma de um mini-canhão, carregado de
pólvora e bucha) seguido do PIPOCAR de seis foguetes comuns, era também a
chamada para a morte de um Boi, que seria uma Banda para o nosso consumo e a
outra para os nossos parentes, que naquele tempo em nosso Povoado eram poucos e
para os vizinhos bem próximos, previamente avisados. Era uma Vida em verdadeira
COMUNHÃO!
Em seguida, a Morte do Judas, que
tínhamos confeccionado e ESCONDIDO trancado num quarto à chave que ficava no
bolso da calça do Papai sob a sua vigilância e de Mamãe, para que ninguém o
roubasse.
Leitura do testamento com os herdeiros
presentes, uma hora de muitas GARGALHDAS regadas a Tiquira para apreciadores
dessa bebida, produção do nosso Alambique e churrasco para todos os presentes
até às dez horas da manhã, menos para os que estivessem cumprindo o Sagrado
JEJUM de Nossa Senhora.
À tarde, novamente de volta ao BONDOSO
Rio Preto, para a pré-Despedida e o encerramento do dia, com mais momentos de
pleno prazer naquele espaço abençoado.
Domingo de Páscoa, todos NÓS
acordávamos muito cedo, seis da manhã, para o café matinal e aproveitarmos o
último dia de mais uma SANTA SEMANA no seio da nossa Família, onde tudo foi
Paz, Amor, integração e acontecimentos revigoradores de um sentimento de FÉ e
AGRADEGIMENTO ao Cordeiro Imolado, pelo Seu Sacrifício e Morte em prol da
Humanidade, o nosso Salvador JESUS CRISTO
Ressuscitado,VIVO e BONDOSO, que segue sendo a LUZ do Mundo e a
nossa fonte de Força e de Proteção de toda a Humanidade .
Hoje, muitos anos depois, ainda ecoam
na minha MENTE e na minha ALMA, o sopro do vento oriundo das águas do nosso Bravo
Rio Preto mesmo sofrido, do que resta da nossa linda e protetora Floresta e da
nossa outrora Rica Chapada, permeada de Pequizeiros, de Cajueiros, de
Muricizeiros, de Bacurizeiros, de Araçazeiros, de Guabirabeiros, de Mangabeiras
e de tanta VIDA.
Quantaaa SAUDADEDEEEEE!
SOBRE O AUTOR
É buritiense, ardoroso amante da sua terra, deu seus primeiros passos no velho Grupo Escolar Antônia Faria, cursou o Ginásio Industrial na Escola Técnica Federal do Maranhão e Científico no Liceu piauiense e no Liceu maranhense, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito/UFMA, é advogado inscrito na OAB/MA, ativo, Pós-graduado em Direito Civil, Direito Penal e Curso de Formação de Magistrado pela Escola de Magistrados do Maranhão, Delegado de Polícia Civil, Classe Especial, aposentado, exerceu todos os cargos de comando da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, incluindo o de Secretário. Detesta injustiça de qualquer natureza, principalmente contra os pobres e oprimidos, com trabalho realizado em favor destes, inclusive na Comarca de Buriti.
Havia uma tradição questionável na Sexta-Feira Santa em roubar galinhas. Meu artilheiro das narrativas, confesso que roubei as palavras do grande historiador Câmara Cascudo para que você possa saborear ao molho pardo esse amor que você sente por Buriti:
ResponderExcluir“Buriti, minha cidade natal, é o cenário imóvel na minha memória. Buriti foi a impressão primeira, o ambiente emocionador da minha meninice, adolescência e madureza. O homem é a cidade em que nasce.
O Povo da minha cidade foi a minha curiosidade inicial, a pesquisa do repórter, a análise do estudioso. O Povo, na conivência, termina sendo a grande família anônima, na qual nós vivemos.
Quem não tiver debaixo dos pés da alma a areia de sua terra não resiste aos atritos da sua viagem na vida, acaba incolor, inodoro e insípido, parecido com todos”.