Coluna SEXTA DE NARRATIVAS - DOIS MEIRINHOS E UM COZINHEIRO RESPEITÁVEIS

 

Ainda no primeiro ano do Curso primário conheci os senhores Valdemar Pereira da Cunha e Hidélito Faria, o primeiro, pai da minha querida amiga e colega de Classe, Delma Cunha e o segundo, pai da também querida amiga e colega na mesma Classe, Zélia Faria, não por mero acaso, como vaticinou o famoso e Inesquecível médium espírita Chico Xavier na célebre oração que se eternizou no Brasil e no Mundo, creio eu: "Ninguém cruza o nosso caminho por acaso e nós não entramos na vida de alguém sem nenhuma razão ".

Naquela época nenhum dos dois tinham funções públicas, seu Delim, como era conhecido o seu Hidélito, trabalhava no depósito de mercadorias da Loja Faria e seu Valdemar era trabalhador autônomo.

Concluído o Primário, fui estudar em São Luís e depois de treze anos, já advogado, reencontrei-os servidores públicos na Comarca de Buriti, exatamente na função de Oficiais de Justiça, quando no meio jurídico ainda era costume, principalmente nas petições, tratarmos esses servidores por MEIRINHOS. Os dois eram conhecidos e amigos do meu Avô, Pio Passos. Há um episódio engraçado ligando-me ao seu Delim, envolvendo umas cabras dele (era criador de caprinos) que eram roceiras e saltavam inclusive a cerca de arame farpado do quintal da nossa Casa quase semanalmente e de  duas a três vezes, dando para nós, eu , meu irmão Wilson e os meus primos, um enorme trabalho para colocá-las para fora do quintal .

Um certo dia, no ano de 1959, eu e Wilson havíamos chegado do Colégio, às doze horas e alguns minutos. Nossa avó nos recebeu à porta da rua e foi logo dizendo: troquem de roupa ligeiro e vão tirar aquelas cabras do DIACHO de dentro das plantações! Preparamo-nos bastante aborrecidos para cumprir a missão e nos munimos de uma corda velha de embira de palha de tucunzeiro. Pegamos as quatro cabras e um bode e as amarramos em árvores fora do quintal e em seguida voltamos para casa na hora do Almoço (o nosso) uma vez que fora do horário normal da família. Almoçamos e seguimos cumprindo as outras obrigações do dia. A noite chegou, fomos passear um pouquinho na Praça Matriz até o horário do Terço mariano, ritual diário da minha Avó.

Transcorridos três dias do ocorrido, seu Delim apareceu na QUITANDA do meu Avô, que funcionava na nossa residência e perguntou a ele: seu Pio, seus meninos não viram minhas cabras nesses dias, elas desapareceram há três dias!

Eu ouvi a conversa e nem esperei o meu Avô responder. Corri para o local da vingança sozinho. Chegando lá, graças a Deus, encontrei os cinco animais vivos, ofegantes, mas VIVOS. Imediatamente, com uma faca amolada cortei as cordas e os libertei. Aguardei um instante para ver se eles caminhariam, a cabra mais velha berrou fraquinho, levantou-se e começou a andar devagarinho e foi seguida pelas demais e pelo Bode barbudo. Um alívioooooo!

Retornando rapidamente para casa, encontrei o meu irmão Wilson apreensivo me dizendo, o seu Delim está conversando com o PAPAÉ (era assim que chamávamos o nosso avô). Eu fiz um PSSIIIIIIU e lhe disse eufórico: já resolvi, podemos aparecer. PAPAÉ chamou-nos e nos questionou sobre as cabras e nós respondemos simultânea e SAFADAMENTE: vimos naquele dia que o senhor nos mandou colocá-las para fora do nosso quintal e NUNCA mais, PAPAÉ!

Seu Delim ouviu e agradeceu a informação, retirando-se em seguida e nós cuidamos de sumir definitivamente com as cordas, objeto material do Crime inconfessável. Coincidentemente, após aquele dia, as cabrinhas esqueceram o nosso quintal, ou seu Delim se preveniu de um novo sumiço delas.

Seu Valdemar, além de Pai da minha colega Delma, tinha os filhos Pererinha e Faniquito (apelidos), o terceiro era BARBEIRO e eu usuário da sua Barbearia, que ocupava um espaço na residência deles. O meu relacionamento com os três era muito bom.  Em razão dessa AMIZADE passei a também merecer a atenção do pai deles e foi saudável.

Iniciando a minha carreira como profissional liberal da advocacia, passei a conviver com os dois MEIRINHOS, de condutas ilibadas, puros, respeitosos e dispensavam-me sempre uma atenção muito ESPECIAL quando os encontrava no FÓRUM da minha Buriti querida, ainda que fora das suas atividades, no estrito cumprimento das suas atividades, como as citações dos Réus e das Testemunhas no âmbito processual, atenção e amizade que vivenciamos reciprocamente.

Tive o privilégio de, na Pia Batismal da Catedral Metropolitana de São Luís, receber como afilhada a neta do seu Valdemar, Raquel Cunha, por bondade do meu IRMÃO, AMIGO e COMPADRE Chico Rêgo de Saudosa Memória e da minha Comadre e Amiga Delma Cunha.

Seu Valdemar tornou-se um admirador tão docemente generoso comigo, que ao adoecer e reconhecer que o termo da sua jornada terrena estava próximo, chamou a sua filha Delma e fiel Bastão, recomendando que ela, após o seu desenlace carnal da Alma, procurasse-me para cuidar do Inventário e Partilha dos seus bens, dizendo simplesmente: Ele sabe o que deve ser feito, nele eu CONFIO!

No momento em que redijo esta crônica, tento controlar e não consigo, nem a emoção de relembrar a nossa conivência e nem as lágrimas de saudade dele.

 

O terceiro e também extraordinário buritiense dessas minhas reminiscências, é o meu Padrinho de Fogueira, seu LOURENÇO, o maior e melhor Cozinheiro que eu conheci na minha Infância querida, inundada de lembranças que nem todas as pedras preciosas juntas as suplantam em beleza e em valor moral e espiritual.

Meu Padrinho Lourenço era um homem de um metro e oitenta de altura, forte fisicamente e exímio cozinheiro genuinamente buritiense, requisitado por muitas famílias em Buriti, inclusive pela minha família. Passou muitas vezes, semanas e até um mês completo cozinhando na nossa Casa. Quando ele assumia a direção da cozinha, era o CHEFE. Chamava-se em Buriti, quem cozinhava bem, MESTRE CUCA, elogio que ele detestava pela cacofonia brincalhona, “Seu mestre cuca é eu". Ele reagia dizendo que ÍÇÚ É ÚM-A CENRÉGÚN-ÍCIIII, causando risos entre os que o ouviam.

Além de cozinheiro, seu LOURENÇO trabalhava para a Prefeitura como cuidador da Praça Felinto Faria. Era carinhoso com todas as pessoas, especialmente crianças, no entanto, quando era desrespeitado, esbravejava com qualquer um.

Em um determinado dia de trabalho como zelador, ele havia terminado de varrer o primeiro trecho da Praça, na frente da nossa Casa e passou para o segundo.

Duas garotas, que eu não revelarei os nomes nem Mortoo, como diria o meu amigo saudoso ZEFULÔ, começaram a quebrar amêndoas na área já limpa. Seu Lourenço olhou para elas e foi repreendê-las delicadamente, assim: min-az benzin- az, o Nêgu Réi rá alimpô aí, num Xúgim már nan-ú, repetiu duas vezes e elas não atenderam. Ele elevou a voz e gritou: Çúar Diábaz, Rã- u Xujá na CAZA Dá Man-i di Rocêíz, súar Rubúaz !

Elas correram e seu Lourenço ficou sorrindo, voltando a limpar a sujeira delas.

Era muito religioso, mas se fosse desacatado, brigava até com o padre. Ele comprou uma Imagem de Gesso de mais de um metro de altura, de Nossa Senhora de Fátima, a maior existente na cidade e confiou a sua guarda à IGREJA de Sant'Ana.

No dia da primeira procissão com a Santa, ele foi acompanhar ajudando a carregar o andor. Na descida da escadaria do altar, alguém pisou errado e o andor pendeu um pouco. Ele se assustou e exploidu, Óia , ROCÊIZ NUM RAN- Ú DERRIBÁ ÊXXE DIÁBO!

O pessoal que estava próximo caiu em gargalhada e meu Padrinho Lourenço meio encabulado se justificou afirmando - Rocêíz  Fázim  Inté a Rente PECÁ, e continuou acompanhando a Santa, sempre contrito.

Militou na culinária familiar buritiense por muitos anos, agradando a todos nós que provamos dos seus saborosíssimos quitutes e, quando da sua partida para o Jardim dos JUSTOS aconteceu, deixou lembranças AMÁVEIS e muita Saudade para muita gente, para toda a cidade, tenho certeza.

Meus MEIRINHOS preferidos, Amigos Valdemar e Delim, meu Padrinho Lourenço que tantas vezes me abençoou dizendo, Nossa Sin-óra di Fátima Ticubra de Furtúna,

Obrigado de CORAÇÃO e de ALMA por terem me privilegiado sendo meus amigos e fazendo luzir a História da nossa Buriti, cada um do seu jeito simples e nobre, eu os reconheço, agradecido, por merecimento incontroverso, RESPEITÁVEIS CIDADÃOS BURITIENSES!



SOBRE O AUTOR

É buritiense, ardoroso amante da sua terra, deu seus primeiros passos no velho Grupo Escolar Antônia Faria, cursou o Ginásio Industrial na Escola Técnica Federal do Maranhão e Científico no Liceu piauiense e no Liceu maranhense, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito/UFMA, é advogado inscrito na OAB/MA, ativo, Pós-graduado em Direito Civil, Direito Penal e Curso de Formação de Magistrado pela Escola de Magistrados do Maranhão, Delegado de Polícia Civil, Classe Especial, aposentado, exerceu todos os cargos de comando da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, incluindo o de Secretário. Detesta injustiça de qualquer natureza, principalmente contra os pobres e oprimidos, com trabalho realizado em favor destes, inclusive na Comarca de Buriti.

Comentários

  1. Obrigada meu amigo E compadre Djalma memória ao meu saudoso PAI sinto -me privilegiada e agradecida.
    RABRAÇO.

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  2. Sindicato dos trabalhadores rurais de buriti -ma nas mãos do André introvini.os dirigentes sindicais não podem fiscalizar nada sobre os fazendeiros.

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