Coluna SEXTA DE NARRATIVAS -  POVOADO SANTA CRUZ, PATRIMÔNIO HISTÓRICO MANCHADO DE SANGUE


Aos meus seis anos de idade, comecei a conhecer parte da história da Fazenda  Santa Cruz, que originalmente pertenceu  ao território do município de Brejo de Anapurus. 

A minha bisavó paterna, na época com noventa e um anos de idade, Ana Rosa , a quem nós,  os seus netos, bisnetos e tataranetos,  chamávamos de Mãe Rosa, nunca me chamou pelo meu nome Batismal, justificando que este nome era difícil de pronunciar. Resolveu então tratar - me por Dotô Druval, que depois de algum tempo eu descobri   a razão, além da justificativa  dela sobre a pronúncia  do meu nome ser difícil. 


Ela dizia que o Dotô Druval, era um homem muito Rico e queria que eu também um dia me tornasse Dotô, Sabido e Rico. Ela faleceu, lúcida, se despedindo dos que estavam ao seu redor,  com noventa e sete anos, quando eu tinha completado doze anos.


Já habituado com o tratamento e sem mais a Mãe Rosa, iniciei a minha pesquisa sobre o Dotô Druval questionando o meu Pai, que atendendo o meu pedido disse - me que realmente o Dotô Druval a que se referia a Mãe Rosa, era na verdade o doutor Durval Castello Branco, um Engenheiro Agrônomo, filho dos proprietários da FAZENDA SANTA CRUZ,  uma grande área de terras agricultáveis e onde existia  o uso da pecuária de gado bovino, de caprinos, de suínos, enfim, de muita riqueza. Falou também, que a mencionada Fazenda, além da Riqueza, era tristemente conhecida por ser uma Fazenda na qual  a Escravatura tinha raízes fortes, cujo trabalho era executado na sua totalidade por Escravos tratados a ferro e fogo, pelas ações desumanas dos seus donos, os proprietários originais da referida Fazenda.


O meu avô Ângelo Pio Passos, um Capitão do Exército brasileiro, de patente comprada por doze Contos de Réis  - a patente era legal - com direito à farda, espada e espadim, também a meu pedido, contou - me que a maldade dos primeiros mandatários da Fazenda Santa Cruz era tanta, que o Varão principal ao morrer, teve o seu corpo rejeitado pela terra, que o devolveu, completamente inteiro e foi recolhido a um quarto especial da Casa residencial da família, sem acesso a estranhos, e que esses fatos eram de sabença comum em toda a região maranhense do então  caudaloso e psicoso Rio Parnaíba .


De posse desse dados, segui os meus passos estudantis alimentando a vontade de escrever as histórias e estórias da minha Terra e da minha Gente, dentro de uma realidade da  época vivida. Assim segui  ouvindo os relatos do meu saudoso amigo Tabelião Antonio Ferreira Campos, um arquivo importante sobre este tema, pois ele tinha sob a sua guarda os documentos notariais da cidade de Buriti e da sua população, que também me servem de fundamentação para este texto,  que não ouso pretender  seja uma pesquisa de um historiógrafo. Conto apenas o que vivi e o que me contaram.


Conversei sobre o tema também na minha infância, com outras pessoas e já profissional operador do Direito, com os saudosos amigos e ex-prefeitos da nossa Cidade, Osvaldo Faria e Raimundo Almeida, que confirmaram o que ouvi dos meus pais, avós e outros amigos.


A FAZENDA SANTA CRUZ, hoje simplesmente Povoado Santa Cruz, pertencendo ao município de Buriti/MA, é Patrimônio Histórico tombado pelo Governo do Estado, no entanto sem nenhum trabalho de conservação da sua história rica em fatos de uma época longínqua, importantes para que entendamos a vida, os encantos,  os desencantos e  humilhações e sofrimento de  parcela significativa dos nossos Irmãos africanos que tanto contribuíram com TRABALHO e a constituição de uma Raça miscigenada e LINDA, a Raça Humana brasileira. 


Conversei com alguns Quilombolas, descendentes de Escravos e moradores do agora POVOADO SANTA CRUZ, que confirmaram a crueldade vivida por seus antepassados, no entanto pediram - me para não mencionar os seus nomes por ainda sentirem medo de alguma represália por parte de parentes daqueles que num  passado vergonhoso, foram Donos dos seus ancestrais Silencio,  respeito e cumpro o compromisso que assumi com eles.


Não consegui ser o Dotô Rico e Sabido que a Senhora sonhou e desejou que eu fosse, querida Mãe Rosa, no entanto, aprendi ler e escrever um pouco, o bastante para agradecer o seu TEMPO DE VIDA Terrena,  comigo. OBRIGADO. 


FAZENDA SANTA CRUZ/POVOADO SANTA CRUZ.

Com LÁGRIMAS que derramo pelos nossos Irmãos Escravos em face de todo o sofrimento de VIDA e de Morte que sentiram no seio do seu Território, sem culpa sua, Eu a Distingo  com Título de  PATRIMÔNIO HISTÓRICO INDELÉVEL, das Cidades de BURITI E DE BREJO DE ANAPURUS!




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