Era conhecido apenas por
CRUZENSE em razão do nome do seu Povoado. Chegou pela manhã e logo depois de
merendar, de se alojar no quarto reservado para ele, começou a trabalhar muito feliz. No final do
dia eu ouvi papai dizendo: seu CRUZENSE, se não bromares, estás aprovado,
gostei do teu trabalho e os teus colegas também gostaram. Ele riu e disse que
não ia fazer vergonha . Foi banhar no Rio Preto, que corta a nossa propriedade
e, enquanto banhava, cantava uma toada de boi de pano, como ele chamava. Assim
foi o seu primeiro dia.
Três dias se passaram,
CRUZENSE desempenhou o seu trabalho a contento. Estava definitivamente
aprovado. Chegou o primeiro sábado e
coincidentemente, seria a apresentação
de um Boi do Barrocão, vizinho de Santa Cruz na casa da minha tia Diquinha a
trezentos metros da nossa. CRUZENSE ficou muito alegre e disse que conhecia
esse Boi e os seus componentes(boieiros).
A noite chegou e o Boi
do Barrocão com o seu batalhão também. Fomos todos assistir ao espetáculo da
cultura maranhense local e CRUZENSE era todo alegria.Chegando no terreiro onde
seria a festança, com três fogueiras já iluminando o teatro a céu aberto, ele
foi direto falar com o pessoal do Boi e realmente foi reconhecido com elogios,
tendo de logo se integrado ao grupo. A FESTA começou com a toada Avião de Madeira em homenagem ao
Boi e a sua rapidez em chegar para as suas apresentações. Dizia assim : "Eu
comprei um Avião de Madeira, e no mês de Junho
eu Tô Láaaaaa, o meu Boín num Rái Faiáaaa!" Muitos aplausos da
platéia e CRUZENSE acompanhava os agradecimentos com um chapéu de BOIEIRO
emprestado.
A madrugada estava
chegando fria e toda a turma do Boi bem
servida de Tiquira da Laranjeiras, Quinado e Conhaque, todos eles totalmente
eufóricos e dispostos a continuarem o show.
Repentinamente o NEGRO CRUZENSE, tem um mal-estar, espumando pela boca, cai no
meio do terreiro, fica se batendo, perde a fala e causa uma grande apreensão
entre todos. Papai se aproximou e tomou a iniciativa de pedir ajuda aos nosssos
amigos Babá, Luís Macena e Chiqueta para levar CRUZENSE para a nossa casa, e nós o acompanhamos. Já em casa, fizeram uma
limpeza geral no nosso Boieiro abatido, deram-lhe um chá de folhas de
Laranjeira e o puseram para repousar.
A FESTA continuou estimulada pelas bebidas e pela
alegria, afinal, era o Festejo Junino! O dia amanheceu. Domingo era mesmo para
descansar e todos ficarmos em casa.Cruzense dormiu até o meio dia e não se
levantou. Papai era um leitor inveterado e antes de falar com Cruzense, após
pesquisar em um livro, conversando com Mamãe, disse: o Nego Cantador é
epilético, pode mandar preparar a alimentação dele normalmente, esta doença não
tem CURA, mas não é transmissível. O paciente acordou, muito cabisbaixo. Papai
foi falar com ele e o animou dizendo: não te acanhes, pois ninguém adoece por
querer. Só me dizes desde quando tu sofres desta doença, para que eu possa te
ajudar. Ele ainda olhando para o chão, respondeu que desde os quinze anos de
idade.
A partir daquele
dia papai orientou CRUZENSE a não subir
nas fruteiras, pois ele gostava de subir
nas mangueiras, nas goiabeiras, nas jaqueiras e nas goiabeiras. Disse também
que ele poderia se levantar um pouco mais tarde ao amanhecer, para que o corpo
estivesse melhor preparando para enfrentar a doença e evitar os ataques. Ele
agradeceu e disse que estava acanhado, mas papai falou: é assim que é pra ser. CRUZENSE
continuou morando e trabalhando em nossa Casa, mesmo tendo crises epiléticas em
média de três a cinco vezes por mês, por um ano e meio e sempre com DEDICAÇÃO à
todos nós.
Por vontade própria Ele
resolveu retornar para a sua ter a e para a sua Família, deixando saudade, por ser um bom trabalhador,
amigo e um Boieiro engraçado. Em setembro de 1963, eu e o meu irmão Wilson já
em São Luís, recebemos a trágica notícia de que o nosso CRUZENSE havia morrido
Queimado quando trabalhava pondo fogo em coivaras de uma roça na sua região, sem socorro, pois estava
sozinho na lida. Chorei muito ao receber a notícia, por considerá-lo alguém da
nossa família. Na Verdade ele o foi.
Hoje eu SAUDOSO, faço
esta Homenagem a tua Memória com o
Título Simbólico de RAIMUNDO CRUZENSE, UM BOIEIRO ENCANTADOR E MÁRTIR.
SOBRE O AUTOR
É buritiense, ardoroso amante da sua terra, deu seus primeiros passos no velho Grupo Escolar Antônia Faria, cursou o Ginásio Industrial na Escola Técnica Federal do Maranhão e Científico no Liceu piauiense e no Liceu maranhense, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito/UFMA, é advogado inscrito na OAB/MA, ativo, Pós-graduado em Direito Civil, Direito Penal e Curso de Formação de Magistrado pela Escola de Magistrados do Maranhão, Delegado de Polícia Civil, Classe Especial, aposentado, exerceu todos os cargos de comando da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, incluindo o de Secretário. Detesta injustiça de qualquer natureza, principalmente contra os pobres e oprimidos, com trabalho realizado em favor destes, inclusive na Comarca de Buriti.
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