Coluna SEGUNDA ANÁLISE - O HOMEM E SEU AUTOMÓVEL

  *Por Anaximandro Silva Cavalcanti

O HOMEM E SEU AUTOMÓVEL

Todo trânsito supõe deslocamento de pessoas e veículos e todo deslocamento se realiza através de "comportamentos". Quando falamos de trânsito, as pessoas logo pensam em carros e motos, excluindo os pedestres, como se estes não fizessem parte do trânsito. Todo mundo na sociedade moderna participa do trânsito, os bebês empurrados nos carrinhos, as crianças que brincam com velocípedes na praça, adolescentes com skates, patinetes ou bicicletas, além dos idosos na faixa de pedestres com sua dificuldade de enxergar e reagir.

 

Além de todos esses níveis de idade com suas características específicas de comportamento, há os diversos tipos de veículos conduzidos. Há o motorista domingueiro, o que passou ontem pelo exame de habilitação ou o outro que comprou sua CNH. Ao lado deles há o motorista superexperiente, com mais de 30 anos de direção, e outro com mais tempo ainda, porém já idoso e com movimentos, audição e equilíbrio comprometidos.

 

Existe ainda uma infinidade de tipos de personalidades: o apressadinho, o orgulhoso, o agressivo, o indiferente, o zombador, o nervoso, etc. Essas nuanças deixam o trânsito um ambiente fértil para os mais diversos surtos de comportamento agressivo. Volta e meia somos surpreendidos por um veículo cruzando repentinamente à nossa frente sem sinalizar, e o mais interessante é que boa parte deles são modelos caros, supostamente conduzidos por pessoas que tiveram acesso à cultura e educação.

 

Isso tudo gera uma descarga de adrenalina, a cada cortada, a cada freada, a cada semáforo, a cada buraco – e em nossas cidades são vários. Essa descarga de adrenalina ocorrendo com frequência e por períodos prolongados gera um stress que se torna devastador. Cada batida do coração com a pressão sanguínea acima do normal cobra um preço das artérias. A mucosa do intestino fica vulnerável ao aparecimento de úlceras. A inundação de hormônios causa mau humor, ansiedade, irritabilidade. Um deles, o cortisol, permanece muito tempo em circulação e se transforma numa toxina que mata neurônios causando lapsos de memória.

 

Trancado em seu carro, impotente a esses fatos, a pessoa pouco a pouco vai perdendo o controle e explode em atos de agressividade, que podem se resumir a passar pelo sinal fechado, não dar passagem a um, trancar outro e, em situações mais extremas, atropelar alguém.

 

Para muitos o carro deixa de ser apenas um meio de transporte: segundo a psicanálise, o homem está profundamente imbuído do anseio de provar constantemente à mulher que ama, a todas as outras mulheres e a todos os outros homens, que ele é um vencedor, que é o melhor. Tenta provar isso adquirindo "símbolos", geralmente um bem material que invoca uma imagem de poder e status, e nenhum outro passa uma imagem de poder e sucesso como um belíssimo carro 3.0 do ano. Temos na sociedade alguns adágios que comprovam isso, e o meu favorito é: "Um Corolla abre portas".

 

O problema é, que em muitos casos, o carro passa a ser um prolongamento do corpo, e principalmente da psique da pessoa. Então aquela pessoa frustrada e franzina que adquiriu uma pick-up 3.0 238 cv., de forma inconsciente estar querendo passar a mesma imagem de seu carro, robustez, potência, desempenho e força. Mas aí aparecem as leis de transito que os proíbem de mostrar o quanto seu carro é veloz, aparecem os semáforos, e toda aquela alegria se torna em frustração.


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