*Por Benedito Ferreira Marques
UTILIDADE PÚBLICA: compreensão jurídica da alocução.
É conhecida a historieta contada nos corredores forenses, protagonizada por um
advogado e seu cliente. O constituinte orgulhava-se do seu patrono, porque
tivera a coragem de dizer para o juiz que ele era incompetente. A incompetência
a que se referira o causídico era a impossibilidade de aquele magistrado julgar
aquela causa, porque lhe escapava a alçada jurisdicional, razão bastante para
que o processo fosse encaminhado a outro juiz.
Deveras,
o vocabulário jurídico é bastante denso, mas ainda há legislações que dão
abrigo a palavras repetidas com significados diversos. É o caso da alocução
“utilidade pública”. Ao que sei, foi o então Presidente Getúlio Vargas quem sancionou a Lei n°91, de 28 de agosto de 1.935,
na qual se lê: “... as sociedades civis,
as associações e as fundações constituídas no país, com o fim exclusivo de
servir desinteressadamente à coletividade, podem ser declaradas de utilidade,
provados os requisitos...” A mesma autoridade, em 21 de junho de 1941,
editou o Decreto-lei n°3.365, dispondo sobre a desapropriação de bens por
“utilidade pública”. Os dois dispositivos distinguem-se em suas finalidades; o
primeiro traz o reconhecimento do Poder Público do desempenho proveitoso da
entidade contemplada pelo título em benefício da coletividade, enquanto o
segundo confere a faculdade ao Poder Público para retirar bens de propriedade
particular, mediante indenização ao desapropriado. Vale dizer, as mesmas
palavras “utilidade pública” servem para finalidades diferentes.
A
auspiciosa notícia de outorga do título de Utilidade Pública conferido à Academia Buritiense de Artes, Letras e
Ciências – ABALC, pela Câmara Municipal de Buriti (MA), por oportuna e
louvável iniciativa da atuante Vereadora Andrea
Costa, justifica a alegria e o júbilo manifestados pelos membros do
Sodalício. Isso porque significa o reconhecimento do mérito das atividades
desenvolvidas pela entidade em apenas três anos e meio de existência, durante
cujo período demonstrou solidez e afirmação nos propósitos que animaram a sua
criação. Tal performance também reflete a dedicação da Diretoria e de membros
comprometidos com a sua causa e seu ideário. Isso é fato.
Não
sem propósito, em texto anterior nesta coluna, realcei a importância da
obtenção do CNPJ pela Academia. Com semelhante propósito, sinto–me encorajado a
fazer uma ligeira incursão no campo jurídico, acerca da importância do
festejado título, com a convicção de que, assim procedendo, empresto o meu
contributo na área do meu saber, na qualidade de membro-fundador da respeitada
entidade.
Sabe-se
que o salutar instituto “Utilidade
Pública”, nascido em 1935, foi assimilado pelos entes federados (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios), visando a contemplar entidades da
mesma natureza originária e do mesmo perfil. Trata-se, portanto, de uma figura
jurídica solidificada, cujos contornos devem ser compreendidos. Este é o
propósito desta abordagem. Com efeito, trago à luz uma lúcida opinião,
encontrada em judicioso artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Goiás, (vol.19/20, n. 1, p. 39-46, 1.999), de autoria
do meu estudioso colega Prof. Eriberto
Franciso Beviláqua Marin, em cujo texto salienta as vantagens e benefícios
propiciados por título dessa dimensão, a dizer: “......apesar do título honorífico, há vantagens e favores dele
decorrentes, porém estritamente ao permitido nas normas respectivas. Deste
modo, o título de utilidade pública credencia a pleitear auxílios, benefícios
ou favores junto aos poderes públicos e entre os particulares (pessoas físicas
e jurídicas)sem o qual muitas delas não teriam condições de sobrevivência”
Ouso
sustentar o entendimento de que as entidades agraciadas com a declaração de
utilidade pública podem pleitear benefícios mais abrangentes, na medida em que
prestam serviços gratuitos à coletividade, comportando-se como verdadeiras
colaboradoras voluntárias da administração pública. Auxílios financeiros mensais
ou anuais, de acordo com dotações orçamentárias limitadas, significam muito
para quem tem pouco; são adjutórios valiosos para a manutenção das atividades/fins
das entidades beneficiadas, ainda que sob o rótulo de contrapartidas pelos serviços
gratuitamente prestados. Contudo, esses aportes voluntários dos poderes
públicos situam-se no plano da subjetividade dos governantes, o que significa
dizer que dependem da sua vontade política, a partir do seu nível de compreensão
sobre o alcance de entidades desse porte.
Na minha compreensão, a declaração
de utilidade pública conferida a uma
entidade vai além do reconhecimento explícito
e oficial do Poder Público sobre a sua importância, enquanto corpo social
organizado no seio da coletividade. Ao meu pensar, esse título traz, em seu
bojo, outro elemento fundamental: a confiança.
É justamente este elemento que densifica os negócios jurídicos em geral,
inclusive os celebrados com a Administração Pública. Contratos ou convênios baseiam-se
na confiança recíproca das partes.
Nessa
linha de raciocínio, atrevo-me a advogar a possibilidade jurídica de celebração
do contrato de Concessão de Uso (DL
271/67, art. 7°), entre o Município de Buriti e a ABALC, tendo por objeto o
Cine Teatro Municipal. Isso,
evidentemente, depende da conveniência
e oportunidade avaliadas pela atual
gestão municipal. Sopesadas essas circunstâncias, a ABALC, na condição de concessionária, ocuparia o prédio e, com
ou sem ajudas do Município – como Concedente -, ou de qualquer erário, faria as
reparações e/ou adequações de suas dependências para a sede provisória da Academia,
bem como para promover eventos culturais e artísticos possíveis. É uma sugestão
isolada, apenas, lembrando que sugestões em forma de conjeturas, quase sempre,
traduzem sonhos e anseios acalentados!
Com esse olhar otimista, vislumbro possibilidades mil para a ABALC, inclusive para habilitações com projetos que possam atender a chamadas editalícias de programas governamentais concebidos nos três níveis da federação, voltados para o desenvolvimento cultural no seu sentido mais amplo. Esse meu vislumbre está ancorado na convicção de que o reconhecimento da ABALC, como entidade de Utilidade Pública, descortina horizontes animadores para o porvir, não tão distante da efervescência deste momento de euforia contagiante. Este é o meu ânimo, por enxergar, no quadro da jovem Academia, membros qualificados para a elaboração de projetos factíveis, gerados em seu próprio âmago, a partir das suas áreas de atuação (artes, letras e ciências). A realização de feiras anuais de livros (como atração turística), concursos literários com temas de interesse regional (com publicação em anais ou revista), amostras de trabalhos artísticos de atores locais, experimentos de iniciação científica produzidos por estudantes buritienses de qualquer nível de escolaridade, todos são exemplos que não podem ser considerados utópicos. Como já pontuei em outro momento, nesta coluna, a consolidação da personalidade jurídica da ABALC no universo da legalidade burocrática (CNPJ), abriu caminhos para ambições ousadas. Basta acreditar; acreditar e agir.
OUSAR É PRECISO, AVANÇAR É NECESSÁRIO.
SOBRE O AUTOR
- Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1967); cursos de Especializações (Direito Civil – Direito Agrário e Direito Comercial) e Mestrado em Direito Agrário, todos pela Universidade Federal de Goiás; Doutorado em Direito, pela Universidade Federal de Pernambuco; Professor de Direito Civil, na PUC-Goiás (1976-1984) e de Direito Civil e Direito Agrário (Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás /UFG (1980-2009). Advogado do Banco do Brasil (1968-1990). Diretor da Faculdade de Direito da UFG (2003-2005) e Vice-Reitor da UFG (2006-2010). Autor de livros jurídicos e não jurídicos (15) e de artigos científicos em revistas especializadas. Conferencista e palestrante em congressos, seminários e simpósios. Tem outorgas de títulos de “Cidadão Pedreirense” (1974), “Cidadão Goiano” (2007) e “Cidadão Goianiense” (1996), além de dezenas de medalhas de honra ao mérito. Pertence ao Quadro de Acadêmico-Fundador da Academia Buritiense de Artes, Letras e Ciências – ABALC, onde ocupa a Cadeira nº6, que tem como Patrono Plínio Ferreira Marques. Colabora com artigos e crônicas para o “Correio Buritiense”.
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