*Publicado
por Carlos Otaviano Brenner de Moraes em www.jusbrasil.com.br
A Lei nº 12.846/13,
em vigor desde o início de 2014, batizada "Lei Anticorrupção",
centraliza seus comandos normativos e punitivos nas pessoas jurídicas,
impondo-lhes responsabilidade objetiva administrativa e civil pelos atos
lesivos à administração pública cometidos em seu proveito ou benefício,
exclusivo ou não.
Sua natureza
não é a de uma lei penal, que incrimine fatos, crie novas penas ou aumente
sanções criminais já previstas em outras, muito embora setores da doutrina
insistam em emprestar-lhe tal aspecto.
Também não é
uma lei que qualifique fatos de hediondos ou algo assemelhado, como se isso
fosse suficiente e eficaz para inibir a ocorrência do ilícito - em tramitação
no Congresso Nacional, projeto de lei para incluir o crime de corrupção no rol
dos crimes hediondos.
Mas é uma
lei que, pelo rigor de suas disposições, prestígio e poder que reconhece e
outorga aos órgãos de controle dos três níveis da administração pública, possui
aptidão jurídica para prevenir e punir a corrupção, as fraudes nas licitações e
os ilícitos em contratos contra o poder público.
Geralmente,
as pessoas jurídicas, principais beneficiárias pela corrupção no setor público,
via-de-regra não recebem a devida punição da ordem jurídica. Tradicionalmente
são protegidas, imunes e impunes, pela responsabilização aos seus
representantes ou dirigentes, de cunho estritamente pessoal. Nas situações em
que sofrem reprimenda por fraudes em licitações públicas ou improbidades
administrativas em concurso com agentes públicos, ficam apenas proibidas de
contratar com o poder público ou desprestigiadas pela declaração de
inidoneidade, sanções nem sempre proporcionais ao elevado grau de lesividade
dos fatos de que são e mereceriam ser juridicamente responsabilizadas.
A corrupção,
fenômeno que também se dá nas relações dentro do setor privado, tem seu maior
cenário de ocorrência no setor público, quando produz perniciosos efeitos à
sociedade, ao desenvolvimento e à credibilidade do país. Os recursos públicos
são desviados da finalidade social a que se destinam, as cidades e suas obras
sofrem as consequências disso, a população deixa de receber os serviços
estatais essenciais à melhoria da qualidade de suas vidas, a concorrência
torna-se desleal, prejudicando a livre iniciativa e a igualdade de
oportunidades. Não fosse o bastante para ditar o seu enérgico combate,
desestimula o investimento estrangeiro, compromete o desenvolvimento e afeta a
credibilidade do Brasil. Precisa ser combatida por todos.
MISSÃO DA NOVA LEI
Nessa
perspectiva de combate à corrupção, lei têm a missão de "reforçar" a
proteção jurídica da administração pública frente aos ataques a que está
exposta realizados em benefício ou proveito de pessoas jurídicas (art. 1º).
Reforçar no
sentido de "acrescer" à proteção jurídica já existente. Exatamente
por isso, a aplicação das sanções nela previstas não impede ou afeta a punição
pelos atos de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), pelas
fraudes nos procedimentos licitatórios (nº 8.666/93), pelos ilícitos em
contratos com a administração pública (art. 30) ou pelos crimes de seus membros
ou representantes tipificados na legislação penal.
A
administração pública, que assim tem sua proteção jurídica reforçada
relativamente aos atos de corrupção, não é apenas a nacional ou brasileira -
União Federal, estados-membros e municípios. A tutela legal também alcança a
administração pública estrangeira por atos lesivos cometidos no Brasil e,
inclusive, no exterior. O art. 28 da lei prevê o suborno transnacional, o que
permite, pela aplicação extraterritorial da norma, a punição de atos de
corrupção por pessoas jurídicas nacionais realizados fora do país, e, por força
do seu art. 5º, administração pública estrangeira engloba todos os órgãos e
entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de
qualquer nível ou esfera de governo, as pessoas jurídicas controladas, direta
ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro, e as organizações
públicas internacionais, por expressa equiparação (art. 5º, §§ 1º, 2º e 3º).
SIGNIFICADO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA
O “reforço
jurídico” em que consiste e significa a missão da Lei Anticorrupção, encontra
na responsabilidade objetiva, administrativa e civil, seu principal instrumento
de efetivação (art. 2º). Responsabilidade objetiva é uma forma de
responsabilização sem culpa, que não depende de um nexo subjetivo, como relação
psíquica, entre o agente e o fato, no sentido de consciência e vontade em
realizá-lo visando proveito próprio à custa de lesão à administração pública.
Basta a relação causal objetiva – o ato de corrupção e o benefício ou proveito
em favor da pessoa jurídica, independentemente da concreta obtenção do benefício
visado pelo ato ilícito (art. 3º, § 1º). A responsabilização da pessoa jurídica
não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores
ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito
(art. 3º), e é independente desta (§ 1º do art. 3º).
PESSOAS JURÍDICAS DESTINATÁRIAS
As
destinatárias do seu regramento punitivo são as pessoas jurídicas em geral, ou
seja, as sociedades empresárias e as sociedades simples, personificadas ou não,
as fundações, as associações de entidades ou de pessoas e as sociedades
estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro,
constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. Os entes que não
tenham personalidade serão representados pela pessoa a quem couber a
administração de seus bens (arts. 1º, § 1º, e 26, § 1º).
Enganam-se,
pois, aqueles que pensam seja uma lei exclusivamente direcionada às pessoas
jurídicas que operem apenas ou preferencialmente com o poder público. Bem
verdade, as pessoas jurídicas que têm no poder público o principal cliente e
fazem da corrupção uma estratégia de expansão dos seus negócios correm maiores
riscos. Mas, e é importante salientar, toda e qualquer pessoa jurídica está
sujeita aos seus ditames. Tamanho é o feixe de relações das pessoas jurídicas
com o poder público, especialmente pela burocracia ainda intensa, elevada
quantidade e sobreposição de normas de regulamentação e de órgãos de controle e
fiscalização, que a lei poderá apanhar fundações, institutos, órgãos de classe,
associações comerciais, clubes sociais, entidades representativas das
indústrias, sociedades de profissionais e até condomínios por atos ilícitos
próprios ou de terceirizados.
Considerando
a responsabilização objetiva que impõe, será irrelevante, como inibidor à
incidência e aplicação das penalidades, o argumento de desconhecimento, de
falta de ciência e aquiescência do proprietário, dirigente ou do órgão
controlador da empresa, sociedade, associação, instituto ou da pessoa jurídica
em geral, com a corrupção consumada ou tentada. Suficiente tenha sido o ato
realizado em proveito ou benefício da pessoa jurídica, exclusivo ou não – pode
ter sido também em proveito pessoal do agente do ato. Assim, poderá ser o ato
de corrupção de um simples despachante encarregado da aprovação do plano de
combate a incêndio da entidade, ou o de um renomado escritório de
contabilidade, ou de advocacia, na busca de resolução de uma infração
tributária atribuída à pessoa jurídica cliente, por exemplo.
Também de
referir, por expressa disposição (art. 4º, §§ 1º e 2º), as alterações
contratuais eventualmente ocorridas após a prática do fato ilícito não elidem a
respectiva responsabilidade e punição. Apenas na fusão e incorporação, a
responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e
reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não
lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas decorrentes de atos e fatos
ocorridos antes da data da fusão ou incorporação (salvo se houver simulação ou
evidente intuito de fraude). As sociedades controladoras, controladas,
coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, serão solidariamente
responsáveis pela obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano
causado.
FATOS PUNÍVEIS
Os fatos que
seleciona e tipifica (art. 5º), por reputá-los lesivos ao patrimônio público
nacional ou estrangeiro, aos princípios da administração pública ou aos
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, são os seguintes:
(a) prometer,
oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público,
ou a terceira pessoa a ele relacionada;
(b)
financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos
atos ilícitos;
(c)
utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular
seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
(d) frustrar
ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo de procedimento licitatório público;
(e) impedir,
perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório
público;
(f) afastar
ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem
de qualquer tipo;
(g) fraudar
licitação pública ou contrato dela decorrente; criar, de modo fraudulento ou
irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar
contrato administrativo; obter vantagem ou benefício indevido, de modo
fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a
administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação
pública ou nos respectivos instrumentos contratuais;
(h)
manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados
com a administração pública;
(i)
dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou
agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências
reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
PENALIDADES COMINADAS
As
penalidades estabelecidas podem ser aplicadas pela própria administração
(federal, estadual e municipal) ou apenas pela via judicial. São, portanto,
segundo a fonte de sua incidência, classificáveis em penalidades
administrativas e penalidades judiciais, aplicáveis, conveniente registrar,
isolada ou cumulativamente, e não excluem a obrigação da reparação integral do
dano causado (art. 6º, § 3º).
As
penalidades administrativas, da alçada da administração pública lesada, no
nível federal, estadual ou municipal, são as seguintes:
(a) multa,
no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da
instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca
será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação (art. 6º,
inc. I); caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento
bruto, a multa será de seis mil a sessenta milhões de reais (art. 6º, § 4º); e
(b)
publicação extraordinária da decisão condenatória (art. 6º, inc. II), na forma de
extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de
grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa
jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por
meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de trinta dias, no próprio
estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao
público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores (art. 6º, § 5º).
As
penalidades que dependem de decisão judicial e que podem incidir de forma
isolada ou cumulativa, através do ajuizamento de ações com o trâmite da ação
civil pública (art. 21), pelas advocacias públicas ou órgãos de representação
judicial da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ou pelo Ministério
Público (art. 19,caput), são as seguintes:
(a)
perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito
direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou
de terceiro de boa-fé (art. 19, I);
(b)
suspensão ou interdição parcial de suas atividades (art. 19, II);
(c)
proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos
de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou
controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco anos
(art. 19, IV); e
(d)
dissolução compulsória da pessoa jurídica quando comprovado ter sido a
personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a
prática de atos ilícitos, ou ter sido constituída para ocultar ou dissimular
interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados (art.
19, incs. I a IV).
*Carlos Otaviano Brenner de Moraes,
Advocacia pessoal e personalizada, com ênfase em direito criminal, direito
eleitoral e compliance.
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