*Por
Mino Carta
Na terça 11, o Estadão nos ofertou um exemplo impecável de como a mídia
nativa manipule as informações. No primeiro editorial da terceira página,
mostra de que forma uma verdade pretensamente definitiva em nada se parece com
a verdade factual.
De saída, o editorial cita Mark Twain (com o delicioso cuidado de avisar
que se trata de um escritor americano) para afirmar a intocada energia da mídia
impressa, a contrariar as previsões da moda que vaticinam seu iminente
passamento diante do avanço da internet. Primeira prova da excelente saúde: a
credibilidade.
De onde o Estadão extrai esta “verdade”? De uma pesquisa encomendada ao
Ibope Inteligência pela própria Secom. Informa o editorial: 53% dos
entrevistados confiam nos jornais impressos, “sempre ou muitas vezes”. Confiam
menos em rádio e tevê, um tanto menos em revistas, menos ainda em sites e
blogs. O Estadão exulta. Deveria chorar, como será provado.
O Brasil não é país de leitores. O que tem explicações óbvias, embora não
falte quem não sabe ou quem não quer entender, por ignorância, medo ou
interesse. A casa-grande até hoje conseguiu manter a senzala a notável
distância, e tal, diria Hannah Arendt, é a verdade factual. Não é por acaso que
somos o quarto país mais desigual do mundo.
Para arcar a contento seu papel de porta-voz da casa-grande, a mídia
esmera-se na manipulação da sua plateia, graças a recursos de comprovada
eficácia, tais como inventar, omitir e mentir. No caso do editorial do Estadão,
registre-se a clamorosa omissão de um dado fundamental: apenas 5% dos
entrevistados leem os jornais com certa regularidade. Ou seja, 5 milhões de
brasileiros.
Não se trata somente dos jornalões, mas também dos jornais regionais e dos
chamados populares. É neste universo que trafegam aqueles 53% de leitores mais
ou menos confiantes. Ou, por outra, 2,65 milhões de brasileiros. Donde, mais de
197 milhões de cidadãos, conscientes ou não da sua cidadania, não estão nem aí,
como se diz.
A pesquisa tem muito valor, mas não é no sentido pretendido pelo Estadão.
A rigor, dois fatos emergem e ganham instrumentos de análise de medição mais
precisos. O primeiro diz respeito ao Brasil, cujo atraso avulta e dói. O
segundo nasce do confronto entre mídia impressa e meios de comunicação já
tradicionais, rádio e tevê, e outros precipitados pelo progresso tecnológico. A
questão, por aqui, se estabelece com peculiaridades próprias.
Sobre o atraso do Brasil não há por que insistir. Basta cogitar de alguns
aspectos. Morrem assassinados, todos os anos há bastante tempo, mais de 50 mil
brasileiros. São Paulo e Rio são mais inseguros do que Ramallah. Se quiserem, a
nossa mídia ofende diariamente o vernáculo. Ou um estádio no Brasil da Copa
custa quatro vezes mais que um na Alemanha. Etc. etc. Não me detenho, a bem do
meu fígado.
Passemos ao segundo assunto, tratado neste espaço, data venia, por um
jornalista ancião que ainda usa a Olivetti em lugar do computador. Ancião e
retrógrado. Dou a minha opinião, ela também se diferencia da verdade factual.
Quero acreditar, eis o ponto, e acreditar em extremis válido para mim, que a
escrita vai sobreviver dentro das suas possibilidades. Scripta manent, verba
volant, a escrita permanece, a fala voa, diziam os latinos.
Desço mais ao fundo. O caminho da mídia impressa tende a ser o da análise
qualificada, da lavra de quem tem autoridade para tanto, e do chamado “furo”, a
informação exclusiva e reveladora da qual somente você dispõe. É no futuro
deste jornalismo impresso de qualidade, ética e estética, que me permito
acreditar. Infelizmente, o jornalismo brasileiro escolheu o caminho oposto,
vergonhosamente sectário, manipulador da informação, incapaz de qualquer
resquício de estilo literário. Não sei o que haveria de acontecer para evitar o
desastre final.
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