O direito de se expressar é uma conquista da
humanidade, o de se defender também.
*Publicado por Ivone Zeger em www.jusbrasil.com.br
“A rua e a
internet são os espaços dos embates democráticos”, disse a filha, e o pai rebate: “A internet é terra de ninguém. A rua
também”. Diálogo que expressa certo conflito geracional, flagrei-o no
elevador.
Sim, os
jovens ocupam as ruas para expressar a insatisfação; eles flagram contradições
e alavancam debates. Cidadãos de todas as idades têm se utilizado das redes
sociais para expressar opiniões. Todos parecem conscientes da liberdade de
expressão preconizada pela Constituição Federal.
Mas, se nas ruas há os limites concretos – como as necessidades de mobilização
envolvendo as distâncias, de coerência nas pautas reivindicatórias, de
cartazes, das estratégias e eventual enfrentamento com a polícia se a ação é de
desobediência civil –, na rede social o que separa a opinião pessoal do espaço
público é um apertar de botão. Daí, provavelmente, a ideia do pai acerca da
internet: “terra de ninguém”.
A ideia de
liberdade de expressão trafega em bytes e bate lá onde garotos e garotas, boa
parte deles ainda menor de idade, se sentem totalmente à vontade para postar
opiniões pessoais, um exercício interessante não fosse a falta de limites,
especialmente quando o tema das postagens são os outros. Fotos de garotas são
tiradas às escondidas e postadas, expondo colegiais a situações
constrangedoras. O bullying virtual
se soma ao real, nas escolas, e provoca tragédias pessoais pouco difundidas
pela imprensa. Afinal, será que os pais sabem até onde seus filhos podem ir
nessa “terra de ninguém” ou, mais
apropriadamente, no espaço virtual?
Encarar as
estripulias virtuais como “coisas da
idade” pode ser um equívoco. Se a liberdade de expressão está garantida
pela Constituição,
a moral e a honra das pessoas também estão. Discussões acirradas entre adultos
nas redes sociais nem sempre oferecem parâmetros para os mais jovens, e até por
isso, cabe o conhecimento da lei para prevenir que a falta de limites não
resulte em dores de cabeça para os pais.
O que é
importante um jovem saber acerca da lei antes de teclar maledicências sobre um
amigo, ou foto constrangedora da menina que não lhe corresponde às expectativas?
Ele precisa saber que essa ação pode trazer consequências. Ainda não existe uma
lei federal contra o bullying, mas tramita no Congresso Federal uma
proposta – na verdade, o Projeto de Lei
6504/13 – para obrigar as escolas brasileiras a realizarem campanhas contra
a prática do bullying. A proposta já foi aprovada pela Comissão de
Educação da Câmara Federal e caracteriza o bullying como “qualquer prática de violência física ou psicológica,
intencional e repetitiva, entre pares, que ocorra sem motivação evidente,
praticada por um indivíduo ou grupo de indivíduos, contra uma ou mais pessoas”.
Existem,
entretanto, leis estaduais e municipais que também caracterizam o bullying e
preconizam atitudes preventivas nas escolas. Descobrir se na sua cidade ou
estado há uma lei assim, conhecê-la e discuti-la com os filhos é uma atitude
preventiva e necessária.
Um exemplo:
a lei municipal nº 4837, de maio de 2012, do Distrito Federal, que “dispõe sobre a instituição da política de
conscientização, prevenção e combate ao bullying nos estabelecimentos da rede
pública e privada do Distrito Federal”, ao caracterizar o bullying traz, em
seu inciso II, a menção muito clara dos limites na internet: “fazer comentário ofensivo à honra e à
reputação de aluno ou propalá-la, inclusive pela internet e por meio de mídias
sociais, de maneira a potencializar o dano causado ao estudante ofendido”.
Vale
lembrar, ainda, que o mercado de trabalho é exigente e, atualmente, textos e
opiniões postados nas redes sociais são averiguados pelos empregadores. Não
adianta enviar um currículo sóbrio e bem escrito e ter uma “persona” virtual
que deixa má impressão.
Para se ter
uma ideia da dimensão que as postagens ganham, recentemente, o ex-funcionário
de um restaurante de Brasília, enquanto sua ação trabalhista tramitava na
justiça, resolveu disparar na rede social sua indignação com o empregador.
Perdeu o controle das palavras, exagerou. O relator do caso, o juiz Mauro
Santos de Oliveira Góes, da 3ª turma do TRT da 10ª região, argumentou que o
ex-funcionário não se ateve a contar em seu post a sua experiência pessoal
negativa com os empregadores, mas sim, “afirmações de caráter genérico,
no sentido de que o reclamado promove, rotineira e sistematicamente, violações
de caráter moral aos seus empregados, de forma indistinta”. E como o
ex-funcionário não tinha como provar suas alegações, foi acusado de difamação e
ele terá de pagar indenização ao patrão por danos morais. O valor estipulado
foi de R$ 2 mil, mas devido à condição de desempregado, foi acordado o valor de
R$ 1 mil.
Voltando à
questão do preparo para a vida social – mais especificamente nesse artigo, vida
social virtual – uma vez que o jovem complete 18 anos, não recairá mais sobre
ele as leis antibullying, mas sim, as leis dos códigos Civil e Penal,
dependendo do teor, da periculosidade e do alcance das palavras publicadas.
No Código Civil, três artigos
formulam o embasamento legal para lidar com essas situações. O artigo 186 diz que “aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a alguém, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
O artigo 927 complementa: “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo”. E, por fim, o artigo 953 diz que: “a indenização por injúria, difamação ou
calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”, e
se a vítima não puder provar prejuízos materiais, caberá ao juiz definir o
montante da indenização. Vale lembrar também que a própria postagem na mídia
social é facilmente gravada por um comando “print”, e que pode resultar em
prova para a decisão do juiz.
Já o artigo
932, em seu inciso II, aponta que “os
pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia”
são os responsáveis pela reparação civil, que significa o pagamento de
determinada importância como indenização por dano resultante de delito ou ato
ilícito. Os delitos de injúria, difamação e calúnia estão descritos no Código Penal,
bem como as respectivas punições, que incluem detenção.
Pode parecer
exagero, mas os artigos citados provam que “liberdade
de expressão” é um daqueles direitos que exige muita autocrítica e
discernimento. Nunca será demais ensiná-los. Afinal, em um contexto
civilizatório, não se pode falar em “terra
de ninguém”.
Ivone Zeger, Bacharel
em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo em 1978. É
advogada militante em São Paulo, especialista em Direito de Família e Sucessão,
consultora jurídica, professora, palestrante e escritora. Membro efetivo da
Comissão de Direito de Família – CDFAM da OAB/SP.
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