Um
guia didático para entender, enfim, a PEC do limite de gastos, e nove erros
embutidos no discurso de seus defensores.
FALÁCIA
1: A PEC 241 reduz os gastos com
educação, saúde, salário mínimo, infraestrutura etc.
CORREÇÃO
1: Ela não reduz gastos de
imediato, mas limita o aumento no futuro.
Deste modo, não resolve nada em curto prazo e não terá grandes efeitos sobre a
crise econômica, apesar de garantir expectativas de solvência.
Como
o PIB voltará a crescer em algum momento, com o limite de gastos, o Estado se
contrairá necessariamente, e isso independe dos fatos e das políticas que se
queira adotar.
Não
se sabe quantas pessoas nascerão, quantas ficarão doentes etc. Com o aumento da
expectativa de vida, certamente haverá aumento populacional e, portanto, mais
gastos serão necessários. A despesa per capta com
educação, que já é pequena, ficará muito menor.
A
PEC engessará as políticas públicas, desacelerará o progresso socioeconômico,
pois reduzirá gastos sociais e investimentos.
O
Brasil precisa reformar as instituições e as políticas que pressionam o gasto,
e não passar uma régua rígida sobre eles de forma açodada, que não resolverá os
graves problemas do País.
Haverá
descumprimento da regra da PEC ou desarrumação ainda maior das instituições e
políticas para se adequarem a ela sem propostas avançadas e sem um contexto
social propício.
FALÁCIA
2: Foram as despesas primárias que geraram o déficit fiscal.
CORREÇÃO
2: Os juros nominais pagos devem
girar em torno de 418 bilhões este ano. Apesar de o governo Temer vir se
esforçando para aumentar o déficit fiscal, fazendo jantares milionários para
convencer políticos a votarem a favor da PEC, ele não deve chegar a metade do
gasto com juros.
Se
o objetivo do governo fosse reduzir despesas, não estaria aumentando o déficit
de forma estrondosa mês a mês. A previsão no governo Dilma era de 97 bilhões
reais e passou a 170,5 bilhões de reais com 1 mês de governo Temer, sendo que,
até agosto, já haviam sido gastos 172 bilhões de reais, restando ainda 4 meses
para o fechamento do ano.
O
gasto de 2016 passará dos 200 bilhões de reais por conta de altos investimentos
feitos para obter o impeachment e as reformas que se tenta agora realizar sem
suficiente debate, como é o caso da PEC 241.
Não
há qualquer dúvida sobre ser esse o grande desequilíbrio brasileiro e uma
distorção enorme em relação aos demais países.
Apenas
se pode crer que a PEC é encomendada por rentistas,
grandes instituições financeiras e empresários muito ricos, que fazem um lobby forte,
com uso das práticas já conhecidas no Brasil.
Depois
dos juros, a segunda maior despesa é com a Previdência, que precisa realmente
ser reformada e não está contemplada pela PEC.
A
questão sempre é: qual reforma? Não se fala numa reforma estrutural, que
abarque também o péssimo financiamento da Previdência. O governo atual nem
cogita de fazer os mais ricos pagarem mais, apesar de estar completamente
provado que eles pagam pouquíssimos tributos no Brasil.
FALÁCIA
3: As despesas explodiram por conta do governo do PT.
CORREÇÃO
3: As despesas primárias tiveram crescimento mais ou menos constante nos
últimos 15 anos, ou seja, desde o governo FHC, mas explodiu este ano quando
Temer assumiu.
As
despesas cresceram de forma real na média de 4,2% ao ano nos últimos 15 anos,
mas o governo Temer, que usa números distorcidos, por exemplo, pelas
desonerações fiscais e pelo desfazimento das pedaladas fiscais, que não são
efetivamente despesas, alega que o número seria 6,2%.
FALÁCIA
4: O aumento constante de despesas gerou o déficit fiscal de agora.
CORREÇÃO
4: Déficits são gerados por
despesas superarem as receitas. Se as despesas aumentaram de forma constante, o
problema maior está do outro lado, ou seja, as receitas caíram muito por conta
da grave crise econômica, que derrubou a arrecadação tributária.
Se
as despesas fossem menores, o déficit poderia não existir ou seria menor.
Deve-se atacar as despesas maiores, sendo absurdo culpar gastos sociais,
aumentos de salário mínimo e investimentos em infraestrutura, cujos valores,
mesmo que somados, são menores do que os gastos com juros.
Ao
mesmo tempo, é preciso reorganizar a tributação,
para que o poder de renda do mais pobre seja aumentado, gerando imediatamente
aumento da demanda agregada, que está baixíssima. É preciso tributar mais os
ricos e menos os pobres, o que beneficiará indiretamente os ricos, que venderão
mais.
É
assim que se monta um ecossistema econômico saudável que beneficie a todos. A
visão “curto prazista” da elite brasileira prejudica a ela mesma.
FALÁCIA
5: O descontrole nos gastos levou à crise econômica.
CORREÇÃO
5: Um conjunto complexo de causas
gerou a crise brasileira, sendo a quantidade de gastos, provavelmente, a menos
importante. O problema é a qualidade.
A
maioria dos países ainda não se recuperou totalmente da crise de 2007-2009, e
isso é bem analisado no livro, festejado hoje no mundo, Rethinking Capitalism: Economics and Policy for Sustainable and Inclusive
Growth, editado por Michael Jacobs e Mariana Mazzucato.
Segundo
os textos desse livro, inclusive de Joseph Stiglitz,
vencedor do Prêmio Nobel de Economia, o conhecimento da Ciência Econômica
tradicional foi insuficiente para permitir que os economistas previssem a
crise, assim como vem sendo insuficiente para que eles consigam recuperar os
seus países.
Uma
das principais críticas é direcionada à austeridade fiscal,
sobretudo àquela que ataca gastos sociais e investimentos, exatamente o
caso da regra da PEC, uma péssima medida, dentre as várias possíveis.
FALÁCIA
6: Sem a regra da PEC 241, as
despesas não pararão de crescer.
CORREÇÃO
6: Para as despesas pararem de
crescer, é preciso reduzir os juros e reformar a previdência. A regra da PEC
não é necessária e não é adequada, pois há medidas melhores do que ela, como,
por exemplo, o estabelecimento de um limite vinculado à taxa
média do PIB de longo prazo, algo já proposto em texto publicado na CartaCapital.
Além
de desnecessária e inadequada, a PEC causará mais custos do que benefícios, de
modo que ela não passa em nenhum dos critérios de validade da política
pública.
FALÁCIA
7: Sem a PEC, o déficit fiscal
vai aumentar e a economia não se recuperará.
CORREÇÃO
7: A redução de despesas
independe da aprovação da PEC. Além disso, o endividamento privado é atualmente
mais grave do que o endividamento público, como lembra o economista Felipe
Rezende.
O
problema do Brasil é que a desarrumação institucional (política, tributária,
previdenciária, administrativa etc.) trava a economia, endividando o setor
privado e fazendo despencar a arrecadação. Com receitas menores, gera-se o
déficit fiscal.
Com
uma redução gradual dos juros em conjunto com o fim da isenção dos dividendos, a reforma da tabela
progressiva do Imposto de Renda para
os mais ricos e a criação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) para
substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS e contribuição previdenciária sobre a
receita da empresa, seria gerado superávit ao mesmo tempo em que se corrigiria
falhas graves da economia brasileira.
FALÁCIA
8: A redução dos juros depende da
aprovação da PEC 241.
CORREÇÃO
8: Não há relação. Os juros reais
brasileiros são enormes e a demanda agregada está muito baixa. O investimento
em títulos da dívida pública brasileira é um baita investimento e não seria a
redução gradual de juros até chegar em 2% dentro de 1 ano o que tiraria muito
dinheiro do Brasil.
Por
sinal, o País precisa de mais capital produtivo, e não capital rentista, que
nada produz e apenas quer ganhar com juros altos.
FALÁCIA
9: A recuperação da economia
depende da PEC 241.
CORREÇÃO
9: A recuperação depende de
corrigir os graves desequilíbrios brasileiros. É uma bobagem acreditar que,
após a PEC, eles serão corrigidos para que a regra seja descumprida.
Esses
graves desequilíbrios exigem reformas profundas, que requerem muito
conhecimento, debate e algum tempo. A PEC não terá qualquer efeito positivo
sobre demanda e oferta, mas apenas sobre as expectativas dos rentistas.
(*Da
Carta Capital)