Questionamentos sobre a eficácia da APA Morros
Garapenses.
APA ENTRE ASPAS
À luz da
legislação ambiental brasileira – cuja matriz está na Constituição Federal de 1988,
que recepcionou toda a legislação preexistente relativa à questão ambiental -,
considera-se Área de Proteção Ambiental, simplificada na sigla APA, uma área, em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de
atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos
básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e
assegurar a sustentabilidade do uso dos
recursos naturais.
Sabe-se que o núcleo normativo a respeito
das questões ambientais encaminha o intérprete à lúcida compreensão de que o
direito de propriedade tem sua garantia assegurado na Lei Maior do País, mas o
exercício desse direito é condicionado ao cumprimento da função social da terra que,
à sua vez, compreende a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente. Vale dizer, ninguém está proibido de ter uma
propriedade imóvel rural ou urbano, adquirida por qualquer dos meios legais
permitidos. Também se sabe que ninguém está proibido de vender, trocar ou doar suas
terras quem delas for proprietário, ressalvadas certas situações previstas em
lei ou pactuadas em negócios jurídicos celebrados com limitações alienativas. Todavia,
não mais se concebe o caráter absoluto de que se impregnava a
propriedade, consubstanciada em um título de propriedade sobre um determinado imóvel.
É certo que houve um tempo em que proprietários de terras, e com extensas áreas,
exibiam dezenas de escrituras guardadas em seu cofre, e se orgulhavam de exibi-las,
mesmo estando as terras ociosas. Essa concepção já não mais existe, porque a
ociosidade não combina com a titularidade dominial ostentada, que deve ser
explorada econômica e adequadamente, conservando e preservando os recursos naturais,
e propiciando o bem-estar ao produtor, além da fiel observância das regras
atinentes às relações de trabalho. São esses os requisitos que dão segurança
jurídica ao proprietário de um imóvel, sob pena de ser considerada terra
improdutiva e, consequentemente, sujeita à desapropriação para fins de
reforma agrária. Isso vem desde o Estatuto da Terra, de 30.11.1964, e, hoje,
tem assento solidificado na Constituição Federal brasileira.
Essa introdução vem a propósito da
exploração de imóveis rurais situados dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA),
compreendida de toda a extensão territorial dos Municípios de Buriti, Duque Bacelar e Coelho Neto,
no Maranhão. Essa APA foi intitulada “Morros Garapenses”, criada pelo
Governo do Estado do Maranhão, através do Decreto n°25.087, de 31.12.2008,
assinado pelo então Governador, já falecido, Jackson Lago.
Da meticulosa leitura desse
Decreto, selecionei algumas das justificativas ali apontadas, que mais de perto
interessam a esta abordagem. Aponto-as com a mais próxima literalidade do texto
legal, para que não pairem dúvidas sobre a pertinência dos objetivos alinhados no
edito governamental: 1) que os Cerrados
Brasileiros compreendem o domínio de natureza bastante frágil e em ritmo
acelerado de devastação, urgindo-se a
criação de Unidades de Conservação para
a proteção de sua biodiversidade, já que
os mesmos são denominados internacionalmente como espaços de grande
predisposição à extinção da fauna e flora; 2) que era necessário ao Estado do
Maranhão a criação de uma Unidade de Conservação do Grupo de Uso Sustentável, no Baixo
Parnaíba Maranhense, conforme demandas
provenientes das populações da
Região; 3) que a Região do Baixo
Parnaíba Maranhense é de extrema importância
biológica e de alta criticidade quanto à perda da biodiversidade, conforme o Documento
do Ministério do Meio Ambiente (MMA), intitulado “Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de
Benefícios da Biodiversidade Brasileira (Portaria MMA N°9, de 23.01.2007);
4) que os Municípios de Buriti, Duque
Bacelar e Coelho Neto possuem um
dos maiores sítios paleobotânicos do
Brasil, com fósseis vegetais de mais de 250 milhões de anos de idade; 5) que se fazia necessária a conservação da
cobertura vegetal para manter os padrões
climáticos dominantes, tendo em vista a
possibilidade de formação de “ilhas de
calor” em toda a Região do Baixo Parnaíba Maranhense; 6) que havia necessidade
de recuperação de ecossistemas
degradados, com a reinserção de espécies nativas e frutíferas
para a formação de corredores ecológicos.
Com justificativas tão
pertinentes, era de se esperar que a APA Morros
Garapenses pudesse apresentar, ao longo desses 11 anos, resultados satisfatórios
para as populações dos municípios abrangidos. Não é, contudo, o que se verifica
nesses Municípios acobertados pela APA, tão auspiciosamente criada, cuja
motivação restou demonstrada em seus objetivos. O que se vê, ao contrário, é a expansão cada
vez mais crescente da produção de soja e outros grãos em alta escala, ainda que
isso tenha significado o desmonte gradativo da agricultura familiar tradicional, como já abordei nesta coluna. E,
agora, para o desalento de muitos que se preocupam com o meio ambiente,
observa-se a disseminação venenosa de agrotóxicos, por via aérea, comprometendo
os mananciais de águas nos riachos e córregos da região, com sérios riscos, inclusive,
para a saúde dos habitantes que formam comunidades tradicionais, se já não
bastassem a devastação desoladora da flora e o extermínio da fauna. Não há
necessidade de dados estatísticos e explicações técnicas, porque ´é pública e
notória essa realidade, contra a qual somente os órgãos de fiscalização e a
mobilização da sociedade civil organizada poderá deter. É o que faço com este
”grito de alerta”, já que não disponho de outros mecanismos.
Não é com surpresa que o Instituto Maranhense
de Estudos Socioeconômicos (IMESC) divulgou, em nota recente, que o Maranhão
encerrou 2018 com a produção de 4,4milhões de toneladas de grãos. Qualquer observador – ainda que leigo -, há
de concluir que esse aumento vertiginoso da produção de grãos na terra gonçalvina ocupou maiores áreas, que
se transformaram em extensos campos, incluindo as chapadas de que dispunham os
Municípios alcançados pela APA ora comentada. As chapadas de então, hoje campos
de plantio de grãos, poderão se transformar em verdadeiros desertos, quando a
terra não mais responder aos níveis de fertilidade de hoje, mesmo com a
aplicação de insumos. É um vaticínio
sombrio!
Portanto, o que tenho a questionar,
nesta narrativa de conteúdo inevitavelmente apocalíptico e marcadamente preocupante,
é saber quais foram os resultados produzidos pela APA “Morros Garapenses”,
criada em 2008, com tão salutares objetivos e bem fundamentadas justificativas.
Sabe-se que muitos órgãos
governamentais são pródigos na edição de leis e decretos, muitas vezes
assinados em cerimônias públicas com grande publicidade, alimentando esperanças
e ilusões ingênuas na população beneficiada, como se problemas pudessem ser
resolvidos apenas com a edição de um decreto, calcado em farta legislação voltada
para a proteção ambiental. Gostaria,
muito, de ser contrariado pelos responsáveis pela APA Morros Garapenses, com informações de que estou equivocado nas minhas conjeturas. Mas, enquanto não vier
a contestação, serei forçado a acreditar que a Unidade de Conservação criada
pelo então Governador Jackson Lago - de
saudosa memória , e a cujo Governo não
ouso responsabilizar -, não passou de uma
APA
ENTRE ASPAS.
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