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Coluna SIM, É O BENEDITO: REMINISCÊNCIAS GINASIANAS


    Homenagem ao conterrâneo Hélio da Costa Almeida

REMINISCÊNCIAS GINASIANAS

- Alô, Benedito, aqui quem está falando é o Hélio de Almeida.
Quero que você me dê a sua sugestão, você que tem experiência; sou marinheiro de primeira viagem; se não for abusar muito, eu gostaria que você fizesse o prefácio; se o meu texto merecer a sua consideração; se você disser, olha Hélio, isso aí não vale a pena publicar; se você disser isso, ficarei muito agradecido...”
- Boa noite, meu querido amigo e conterrâneo Hélio da Costa Almeida...farei com todo prazer; pra mim é uma honra muito grande; fique certo, antecipadamente, de que não irei dizer que não serve para ser publicado; eu não tenho essa autoridade; pra mim será uma grande honra e muito prazer...obrigado pela consideração; estimo sua saúde e de sua família.

  Essa foi a minha última interlocução com o conterrâneo HÉLIO DA COSTA ALMEIDA, através do celular, em viva voz, no dia 22 de agosto de 2019. Ele me pedia para fazer o prefácio do seu primeiro livro. Além da alegria que me causou o convite, terminei sendo o depositário não apenas de sua confiança, mas de uma espécie de “testamento telefônico”, forma ainda não prevista em lei. Uma disposição de última vontade - como é definido o testamento na linguagem jurídico-legal -, carregada de grande responsabilidade, até porque ele já me havia enviado um pen drive com o conteúdo de seu livro, de capa a capa, sob o título “Lembranças, causos, magias e feitiços”. Quando meu irmão Raimundo Marques, na tarde do dia 31 de agosto, me informou -  também ao telefone -, que o nosso conterrâneo tinha sido chamado para o “Oriente Eterno”, na linguagem maçônica, fui tomado de um choque que me abateu profundamente, e logo me acudiu a ideia de solicitar ao irmão informante que entrasse em contato com os familiares do falecido e os estimulasse a publicar o sonhado livro. Fiz o papel de testamenteiro; não havia mais o que dizer naquele momento.
  Recolhi-me ao silêncio meditativo e me transportei para os meus tempos de ginásio, nos anos 50 do século passado, Internato do Ginásio São Luiz Gonzaga, em Parnaíba (PI). Hélio Almeida foi meu colega e contemporâneo no mais famoso estabelecimento de ensino médio da Região, que atraía estudantes do Piauí, do Maranhão e até do Ceará.  Curiosamente, ele nasceu no dia 12.11.1939, um dia depois do meu nascimento, ambos em Buriti – eu, no Barro Branco, e ele, no Mocambinho. Vivemos momentos de sonhos e fantasias. Naquele tempo, o uniforme era farda de tecido grosso, na cor verde escuro, cinto largo com fivela a ornamentar o gibão de pano; botas engraxadas caprichosamente e quepe na cabeça. Vivíamos em regime militar e não sabíamos. Nos ensaios para o desfile de 7 de Setembro na grande avenida que se estendia até o bairro Guarita, centenas de pessoas se punham à margem, para as quais o Professor Nelson entoava seus gritos de ordem.  Nosso colégio sempre era o melhor no desfile.
O prédio onde dormíamos e recebíamos as refeições ficava ao fundo do colégio, separado pelo campo de futebol. Às 6 da manhã, uma chamada com palmas fortes do Chico Carvalho - “Prefeito de Disciplina”, como era chamado -, nos acordava a todos. Descíamos para o banho. Havia 6 chuveiros, apenas. Um minuto para molhar o corpo, 2 para ensaboar e 2 para enxugar a espuma; quem não fosse esperto tinha que se valer da toalha, pois o disciplinador “Prefeito” fechava a torneira geral dos 6 chuveiros e chamava outros seis. A fila andava. Subíamos as escadas do dormitório em correria. Vestíamos a farda, calçávamos as botas, arrumávamos as camas e descíamos contando os minutos para o café minguado. Às 7 horas, já estávamos em sala de aula. Era assim a rotina.
  Terminadas as aulas, voltávamos ao dormitório; tudo com hora marcada. Descíamos para o refeitório, e lá, nas 26 cadeiras em volta das mesas ligadas uma à outra, o Professor Joaquim Custódio, com um bandejão de madeira à mão, servia uma fatia de carne (tão fina, que dizíamos ter sido cortada com gilete), um pouco de arroz, um pouco de feijão, às vezes macarrão também, e um copo de leite. Servia do primeiro ao último da fila e voltava ao primeiro. Se ainda houvesse algum restinho de comida no prato, passava em frente. Aprendemos a comer correndo, hábito que ainda hoje tenho. Um aprendizado equivocado – reconheço agora.
  À tarde, depois de um recreio de uma hora, ocupávamos uma das salas de aula para estudos das matérias, até a hora da ginástica – também comandada pelo Professor Nelson, que lecionava Francês. Se não fosse dia de ginástica, havia uma pelada no campo de areia grossa ou lutas de corpo no monte de areia que se acumulava ao pé do muro, tangida pelos ventos da praia, 12 km dali, em Luiz Corrêa. Certo dia, o Padre José Vieira, que sucedera ao Prof. Joaquim Custódio na direção do colégio, comandou a brincadeira de queda de corpo no areal denso. Mesmo vestindo batina preta, derrubei-o de mau jeito e machuquei, sem querer, um dos seus joelhos. Na hora da comunhão, na missa que celebrava na capela interna, ao chegar a minha vez, o reverendo, ao invés de dizer “Corpo de Cristo”, me disse: “Você me paga”. O saudoso Hélio Almeida me relembrava esse episódio, toda vez em que nos encontrávamos. Fê-lo no velório do meu irmão Plínio Marques, no dia 10 de maio de 2018, em São Luís (MA). O saudoso irmão carnal também era um dos internos naqueles anos dourados de nossa juventude. Foi a última vez que falei com o Hélio; foi a última vez que vi meu irmão Plínio, para quem discursei, com fartas lágrimas de emoção, à beira do seu ataúde, naquela tarde triste e inesquecível.
  Durante as férias, viajávamos juntos em carrocerias de caminhão ou em bancos toscos de “jardineiras” (meia carroceria). Fossem os festejos de N.S. Santana, fossem as noites de Natal e Ano Novo, lá estávamos na Praça Felinto Faria, em Buriti, desfilando na passarela central, e paquerando as moças do nosso tempo. Também faziam parte do grupo jovem o irmão Raimundo Marques e os irmãos do Hélio, José e Bernardo Almeida. Vale dizer, o nosso convívio não se interrompia com as férias. Foram anos de aprendizado que hoje não se vê; foram anos de formação rígida que hoje não mais se recomenda, porque os tempos mudaram; os costumes sociais também mudaram, em função dos avanços tecnológicos e da comunicação massiva e em tempo real. Temos que compreender essa realidade, porque a evolução não se confunde com a involução. Tentar a retomada dos costumes e dos processos educativos de outros tempos é remar contra a maré; é andar de marcha à ré.
  Foi durante o meu internato (1953 a 1958) que me despertou o gosto pela leitura de jornais. Toda semana, era distribuído no colégio um jornalzinho chamado “A Marcha”, e eu o devorava com os olhos por inteiro. Certo dia, um outro Diretor, Professor Edgar Linhares Lima, me chamou a atenção. Não devia me viciar lendo aquele tabloide, porque ele doutrinava. Era do Plínio Salgado, líder político da extrema direita, na época, que presidia um Partido, cujo lema era “Deus, Pátria e Família”.  Qualquer comparação com o slogan presidencial de hoje é mera coincidência! Aceitei o conselho do Diretor e deixei de ler aquele jornal. Mas nasceu em mim o pendor pelo jornalismo, e, lá mesmo naquele estabelecimento diocesano, inventei um jornalzinho feito em mimeógrafo, a que dei o nome de “Triunfo”. Ali, eu praticava um jornalismo ingênuo, transcrevendo minhas crônicas esportivas que mandava para a Rádio Educadora de Parnaíba. Começava a minha vivência na política estudantil, e, juntamente com o também saudoso contemporâneo Genoino Francisco de Sales, comandávamos o Grêmio Cívico Literário Tiradentes. Ele Presidente, eu Orador. Aprendemos muito e comecei a formar minha consciência política que hoje sustento, convictamente.
  Certamente por esses arroubos “jornalísticos” sem curso formal, também fundei um jornalzinho em Pedreiras (MA), quando era bancário, a que dei o título de “Lua – Satélite da AABB”. E, em Codó (MA), onde também trabalhei por dois anos, fundei outro jornaleco, a que dei o título de “O Saco”. Tudo feito em mimeógrafo. Em Goiânia, na Loja Maçônica a cujos quadros pertencia, fundei outro, à guisa de boletim informativo, que terminou se transformando em “O BEM”, em formato de jornal com 4 páginas. Na Universidade Federal de Goiás, quando era Vice-Reitor, em certo dia, fui presidir um evento na Faculdade de Comunicação e, no discurso de encerramento, contei essa história, prometendo fazer o curso de jornalismo, assim que me aposentasse. Sentaria junto com os estudantes como aluno também, em sala de aula. Uma estudante, encerrada a cerimônia, perguntou à Diretora: “Você acha que ele vai mesmo fazer o curso de jornalismo? ” A Diretora respondeu-lhe: “Você já viu Vice-Reitor mentir, menina? ”
  A perda da visão total do olho direito e só me restando 13%, no esquerdo (glaucoma), podou meu sonho acalentado. “Eis que senão quando” – no dizer do vulgo -, sou desafiado pelo conterrâneo Aliandro Borges a ocupar um espaço em seu Blog Correio Buritiense. Não sabia ele que era o meu sonho e, também por isso, estou levando a sério, já faz seis meses.
  Agora, resolvi registrar todo esse passado, com o fito de preencher o espaço franqueado. São reminiscências que ficarão registradas e arquivadas na memória de quantos delas souberem. Não posso negar que o faço com o rosto molhado de lágrimas sentidas, que me embotam a visão já tênue e escorrem sobre o teclado. O coração nostálgico palpitou o assunto; a memória me aguçou o enredo; e o registro está feito. 
  Sempre sustentei o entendimento de que a História é construída com registros. Se não se registram os fatos reais, quem tiver que os contar depois, o fará enviesado, comprometendo a verdade fática, porque introduzirá ilações e suposições criativas, ao sabor da mente do intérprete.
Aqui está a minha homenagem póstuma ao saudoso conterrâneo, colega e amigo HÉLIO DA COSTA ALMEIDA. 
Que Deus o receba e guarde! Amém.

SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais.NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.

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