Reflexões
sobre o “Dia da Criança” e o “Dia do Professor”
DIA
DE TUDO TODO DIA
Neste mês de outubro, duas datas
são consagradas à criança e ao professor. Dia 12 e dia 15. Para aquém
do “Dia da Padroeira do Brasil” (dia 12), as datas comemorativas passaram
a ser desvirtuadas - já não é de agora -,
por conta da mercantilização
alimentada pela mídia. A criançada vai ao comércio acompanhada dos pais e faz
suas “reinvindicações” de presentes cobiçados, quase sempre refreadas em função
dos limites orçamentários da família, até que chegam a um acordo e compram o
presente possível. Já os professores se limitam a comemorações em seus clubes
ou outras programações efêmeras, no que parece ser um “dia especial”. As
próprias entidades representativas encarregam-se dos eventos. Afinal, alguma
coisa tem que ser feita para “comemorar”. Comemorar o que?
Já
fui criança e professor; continuo criança e professor. Ainda sou criança,
porque há momentos em que adoto comportamentos infantis, sejam marcados por
ingenuidades próprias da idade, sejam por surpreendentes gestos de sabedoria
que, não raro, o infante revela em suas estripulias compreensíveis. Sou ainda
professor, porque, nas minhas interlocuções com parentes e amigos, “alugo” seus
ouvidos pacientes para longas digressões, às vezes percebidas por mim mesmo. Um
médico psiquiatra disse-me, certa vez, que essas conversas demoradas que eu
mesmo já percebo se explicam pelo volume de informações que acumulei ao longo
da vida do magistério e de aprendizados contínuos, bem como porque não tenho
mais a sala de aula para compartilhar novos conhecimentos, frutos de observações
e pesquisas. Há uma ansiedade patológica para dividir essas novas informações
colhidas na experiência da própria vida. A gente aprende todo dia, toda hora, ao
responder perguntas que respostas de outras indagações foram alcançadas. A vida é um aprendizado sem fim! As observações
do psiquiatra e de psicólogos estão corretas, ainda que também suscitem novas
perguntas e novas respostas, que não se resolvem com remédios e placebos
inventados por nossos ancestrais.
A inspiração deste texto – é
preciso confessar a verdade -, foi provocada por uma indagação que não quis
calar: por que não reservamos ao menos parte desses dias comemorativos para
refletirmos sobre a instituição desses dessas datas festivas, ao menos no
calendário? Há o “Dia das Mães”, há o “Dia dos Pais”; há o “Dia do Estudante”;
há o “Dia da Sogra”; há o “Dia do Advogado” e de todas as demais profissões até
mais nobres; há o “Dia de Finados”; há o “Dia das Bruxas”; há o “Dia de Todos
os Santos”; de todos os padroeiros de cada Estado, de cada Município e de cada
povoado, o mais distante, o mais escondido, o mais esquecido..., enfim, o “Dia
de Tudo” e para todos”. Há até o “Dia da Mentira”, e nunca ouvi falar no “Dia
da Verdade”. Se olharmos nas “folhinhas” e calendários, há mais dias do que os
365 do ano!
Raramente, porém, se houve falar
que, da programação dessas datas, se inclui um momento para reflexões sobre o
papel de cada um dia na VIDA, que
não se resume a um dia só. Todos os dias são “dias de todos” e de TUDO. A
propósito, há um interessante programa de uma certa emissora de TV, chamado
“Provoca”, a que assisto, quando posso, porque nos convida a fazermos
reflexões, diante de perguntas muitas vezes embaraçosas, para as quais, nem
sempre, estamos preparados para sequer arriscar uma opinião. O apresentador,
num desses encontros com convidados adredemente escolhidos, perguntou: “O que é a vida?”. O entrevistado deu
sua resposta pouco inteligível, mas respondeu, a contento ou não do
entrevistador, que repetiu a mesma pergunta, e outra resposta foi dada, ainda
insegura. Fiquei a me perguntar: o que eu responderia? Fiz várias respostas
para mim mesmo. Uma delas pareceu-me mais lógica: a vida é o ponto de partida para
o ponto do fim da caminhada. Já sabia que uma das primeiras figuras
geométricas é uma linha reta traçada entre dois pontos. Pode ser também uma curva. A distância entre
esses dois pontos estabelece o tamanho da linha ou da curva. Assim, a vida é
essa linha, que tanto pode ser curta, como pode ser longa. O que não se pode é estabelecer, ao bel-prazer,
a extensão da linha, isto é, da vida. Podemos até fazer nossos esforços para
esticar essa linha, buscando cuidados com as orientações que recebemos desde
quando começamos a compreender o que nos dizem e nos ensinam nossos pais e
nossos professores, ou quaisquer pessoas que nos cercam, ou que buscamos em
consultas e aconselhamentos. Mas não podemos definir o tamanho da linha.
A vida de cada um, portanto, pode
ser um mote para reflexões. São essas as reflexões que proponho para as
celebrações de datas instituídas pela sociedade, para tudo e para todos. Por
que não refletirmos sobre as relações entre pais e filhos e vice-versa? Entre
alunos e professores? Afinal, o aprendizado dos alunos corresponde ou não à
performance dos mestres? Não é incomum que professores levem para as salas de
aulas ou laboratórios seus problemas pessoais e isso se reflete, sem dúvida, no
seu desempenho. O mesmo acontece com o aluno, não raro, sem haver recebido uma
só refeição no dia. Não pode ter motivação
e seu aprendizado é, inexoravelmente, comprometido. Esse estudante vai à escola
para cumprir um dever, mas nenhum prazer.
Como a proposta dessa narrativa é
comentar o “Dia da Criança” e o “Dia do Professor, penso que o pano de fundo há
de ser a EDUCAÇÃO. E, se pararmos para um momento de reflexão, uma indagação de
logo se nos apresenta: a educação – que se não confunde com a instrução -, é
papel dos pais ou dos professores? Ou
pais (ou responsáveis) e professores participam desse processo?
Eis aí um ponto para reflexões,
porque, a partir das respostas que emergirem dessa discussão saudável, soluções
emergirão para a melhor educação dos educandos e para a formação de novos
cidadãos, que há de ser o objetivo maior.
Essas
reflexões que me acodem na elaboração deste texto oportunizam-se no momento em
que as políticas governamentais de todos os níveis - municipais, estaduais e
federal -, se enroscam na escassez de recursos financeiros. Sem estes, não há
creches, não há material escolar, não há instalações e laboratórios dignos, não
há salários justos para professores e servidores; não há transportes; não há,
enfim, ambiente propício ao processo ensino-aprendizagem satisfatório.
O
encaminhamento das diretrizes traçadas pelo Poder Público das três esferas
federadas, enquanto provedores financeiro da política educacional, ao menos no
que diz respeito à organização e ao controle – já que são titulares da chancela
dos certificados ao final dos cursos em qualquer nível -, não pode, a meu
juízo, ser orientado por convicções ideológicas ou religiosas
dos formuladores dessas políticas, ao sabor de governantes efêmeros. A formação
do cidadão, desde o ensino fundamental ao superior, há que ser orientada sob a
égide da cidadania plena. Esse objetivo induz a compreensão de que a
hierarquia na relação professor-aluno não pode e não deve servir de parâmetros
comportamentais de obediência e submissão, mas de respeito recíproco. A
formação do cidadão deve partir dessa premissa, se quisermos uma nação futura
composta de cidadãos conscientemente comprometidos com o seu papel na sociedade
almejada, com responsabilidade e compromisso. E, para isso, é necessário o livre-pensar
crítico. Tolher a liberdade de pensar e de criticar não forma o cidadão.
O
cenário nacional brasileiro no campo das políticas públicas na área educacional
não indica horizontes tão promissores, na medida em que as orientações de cima
para baixo trazem marcas visíveis de autoritarismo, seguramente
inconsequente, seja na imposição disciplinar, seja na quebra do Estado laico. A
impressão que ressai das recomendações governamentais estabelecem limites ao
“livre-pensar”, que deve nortear a conduta dos partícipes do processo formador.
É preciso entender que o sistema educacional na segunda década do século 21
(XXI) não pode retroceder aos processos educativos do século 20 (XX), em que o
uso da palmatória, dos chicotes e castigos bestiais eram tolerados com
normalidade, em nome e por conta dos costumes da época. Passei por esse
processo e não nego que me foram úteis. Mas não consigo aceitar, aos 80 anos de
idade, que, para os novos tempos, devam ser aplicados mecanismos retrógrados
nos processos disciplinares. Estamos no limiar da segunda década do século 21
(XXI), em que a tecnologia e a informação em tempo real se associam na
aplicação dos métodos educativos. Os tempos são outros; outros devem ser os
métodos!
Como
“criança” na curva da volta, e como professor, na curva do fim, permito-me
concitar a todos quantos tiverem acesso a este texto, fruto de reflexões espontâneas
e oportunas, não se limitem a comprar presentes desejados por suas crianças,
nem se esbaldem os professores em festanças, deslumbrados no seu enganoso papel
hierárquico na relação com seu alunado.
Somos todos iguais e responsáveis no sublime papel de repassar
conhecimentos para a formação de nossos sucessores. Atrevo-me a dizer que o estudante – seja criança
ou não -, deve ser considerado o principal sujeito de um
estabelecimento de ensino. Não adianta um corpo docente altamente qualificado,
com instalações e laboratórios modernos, se não houver alunos, que devem ser considerados
os verdadeiros destinatários do nobilitante trabalho dos operadores do
magistério.
Almejo, portanto, que o “Dia da Criança”
e o “Dia do Professor”, ao menos a partir de agora, sejam comemorados com um
esse novo pensar.
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais. NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.
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