Por Benedito Ferreira Marques
SEGURANÇA NAS ESCOLAS
Entre os incontáveis problemas que
estamos enfrentando na atual quadra da história brasileira, sob os ângulos
econômico, político e social, ganha especial relevo o assunto relacionado com a
segurança nas escolas, em razão de
sucessivos episódios que a mídia registra com estardalhaços, gerando pânico no
seio das famílias. O quadro é, portanto, de inquietação generalizada que
reclama ações conjugadas de Ministérios e com a participação da sociedade.
Quem se preocupa com essa tormentosa
questão – qualquer que seja a sua área de conhecimento e grau de escolaridade -,
imiscui-se nos debates oportunizados, nos quais apresenta sugestões pensadas,
com o fito de encontrar soluções tranquilizadoras. Para alguns, o policiamento ostensivo (armado ou não) no recinto ou nas imediações dos
estabelecimentos é a medida mais pragmática, no momento; para outros, são
imprescindíveis os psicólogos no
acompanhamento das posturas dos estudantes, de modo a identificar problemas, sobretudo
da saúde mental e, ao mesmo tempo,
indicar tratamentos com outros profissionais da saúde, ou, se for o caso, orientar
comportamentos, como tratamento especializado. Também há correntes que advogam
a redução da faixa etária para a responsabilização penal, a partir de 16 anos.
Essa corrente ampara-se no argumento de que as sanções socioeducativas
preconizadas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pela prática de atos infracionais, não estão surtindo
efeitos. Uma corrente sensata defende ações integradas, baseadas nessas três
linhas, sem desmerecer outras tantas que se colocam em mesas de discussão da desafiadora
problemática sob crivo.
Qualquer
que seja o lócus do debate e o formato das opiniões sustentadas, o que ressai
induvidoso é que os problemas são complexos e as soluções não são assim tão
fáceis. Com efeito, o aparelhamento das escolas com vigilantes, inclusive portando
armas, pode até propiciar a sensação de segurança, mas, de outro lado, cria um
ambiente policialesco capaz de comprometer a formação do estudante, em função
do medo e da obediência exacerbada, produzindo obstáculos na implementação da cultura da paz, que tanto se almeja, e
na assimilação dos valores da cidadania desejada.
À sua vez, a participação de psicólogos no processo educativo e preventivo,
dentro dos estabelecimentos de ensino, demanda recursos financeiras expressivos,
seja em razão de uma política salarial com dignidade, seja em razão de
estrutura logística para um desempenho profissional qualificado. Mas, para
isso, as instituições públicas dependem de aportes financeiros do erário, em
qualquer dos níveis (estaduais e municipais), a exigir previsões orçamentárias,
nem sempre factíveis, diante de outras prioridades e conjunturas. Na rede
privada de ensino, à sua vez, há o inconveniente dos repasses desses custos operacionais
nas mensalidades, encarecendo o acesso ao ensino. A terceira sugestão não é
menos complicada, pois não basta elaborar uma alteração do texto legal,
reduzindo a idade, pura e simplesmente. O discurso de que as medidas socioeducativas
preconizadas no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) não estão produzindo
resultados satisfatórios não se sustenta, em si mesmo. É preciso ponderar que a
responsabilização criminal antecipada – a despeito de estudos científicos já
apresentados -, não reduz os índices de criminalidade, até porque o que faz um
delinquente de 16 anos, também pode ser executado por um menor de 15, 14 ou até
menos anos de idade. Nesse aspecto, as comunicações de massa, em tempo real,
orientam e induzem a prática de atos semelhantes. Impõe-se refletir, ademais,
que a segregação de um delinquente nos presídios comuns – de resto abarrotados
-, não constitui garantia de ressocialização do apenado, que é o escopo do sistema
punitivo, em sua essência dogmática.
Na verdade, a complexidade do
problema aqui enfocado – a par de outros que atormentam a nação brasileira
cansada e, compreensivelmente, desesperançada -, desafia governantes e
governados, principalmente os educadores espalhados pelos rincões pátrios deste
país-continental.
Na esfera governamental, o Ministro
da Justiça e Segurança, Senador Flávio
Dino, vem aparecendo com acentuada frequência nos noticiários televisivos e
radiofônicos, centralizando o debate, agora mais agudo do que outros. Nessa
linha de ações, marcadas pelo pragmatismo necessário, criou um programa chamado
“Operação Escola Segura”, no início deste mês de abril de 2023, e, já agora, no
dia 12, baixou a Portaria Ministerial n°351, a que vem conferindo matiz auspicioso,
dada a intensa cobertura nos meios de comunicação de massa.
Contudo, o aparato normativo advindo não
se apresenta imune de observações, principalmente pelos cidadãos afeiçoados aos
temas jurídicos, como é o meu caso, enquanto professor de Direito, embora já
aposentado.
Com essa preocupação, dei-me o
direito e assumi o dever de fazer uma breve análise do texto da comentada
Portaria, colocando a sua interpretação na interface dos objetivos buscados.
Nesse mister traçado, observo que o documento ministerial tem o escopo de fixar
diretrizes no âmbito administrativo do Ministério da Justiça e Segurança,
visando à “prevenção à disseminação de
conteúdos, flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de
redes sociais...”
Sob essa óptica jurídica, chama a
atenção o primeiro considerando que
norteou o édito, assim posto: “Considerando
que o art. 220 da Constituição da República garante a liberdade de expressão e
manifestação do pensamento, desde que respeitados os preceitos constitucionais,
aí incluída a proteção dos direitos fundamentais previstos nos arts. 5° e 227 da
Constituição, que trazem a prioridade absoluta ao atendimento dos direitos das
crianças e dos adolescentes, a exemplo do direito à vida e à saúde”
Sobreleva anotar, nesse olhar curioso
e atento aos propósitos deste comentário, que o centro das preocupações da
autoridade ministerial está voltado para a segurança das crianças e dos adolescentes,
ali referenciados como alvos prioritários da proteção à vida e à saúde. Ocorre,
porém, que a aplicação de sanções às empresas responsáveis pelas plataformas de
redes sociais, que disseminam conteúdos perniciosos, ficou atrelada a processos administrativos, no âmbito do
Ministério da Justiça e Segurança. É o que se dessume do artigo 2°, harmonizado
com o artigo 8° da Portaria, objeto desta abordagem. O primeiro dispositivo
(art. 2°) atribui o comando do procedimento à Secretaria Nacional de Justiça e
Segurança Pública – SENASP; o segundo
preceito, (art. 8°) diz que “as sanções
para o não cumprimento das obrigações previstas nesta Portaria se darão no
âmbito de procedimento administrativo ou judicial, de acordo com as atribuições
dos órgãos competentes”.
Para quem conhece os trâmites de
processos administrativos sabe que todos se submetem aos ditames de uma
legislação específica (Lei n°9.784/99), cujos preceitos são orientados pela
obediência aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório,
no que fez bem o legislador. Para os salutares propósitos da autoridade
ministerial, todavia, a instauração de processos administrativos poderá
retardar os efeitos almejados, porque, sabidamente, tais processos não primam
pela celeridade desejada, além do que, compreensivelmente, abrem espaços para judicializações
pontuais. Devo dizer, a propósito, que essa conjetura não carrega mensagem pessimista,
porquanto não é de minha índole anunciar prognósticos sombrios para ações
proativas. A minha postura é apenas cautelosa, em contraponto à gigantesca carga
publicitária empreendida pela mídia.
Para mim, o
caminho mais sensato para a busca de soluções mais urgentes e pragmáticas, que
o problema reclama, está na conjugação de esforços integrados, ao menos pelos Ministérios
da Justiça e Segurança, da Educação e de Direitos Humanos e Cidadania. Ações isoladas implementadas apenas por um
Ministério, e marcadas por farta distribuição de verbas destinadas ao
aparelhamento de Estados e Municípios para a contratação temporária de agentes
de segurança (armados ou não) no recinto das escolas e, paralelamente, para a
instalação de equipamentos modernos (câmaras e detectores de metais), não
bastam por si mesmas. Urge que se introduza o ideário humanista em todas as ações, sendo inquestionável que a
indução desse pensamento passa, necessariamente, pela participação efetiva de
segmentos organizados da sociedade, no seio da qual se encontram as famílias.
As ações não devem e não podem emanar apenas das autoridades constituídas, para
quem as revistas compulsórias em mochilas de estudantes não passa de um ato do
processo de prevenção. É preciso compreender que pacientes são os professores e
os estudantes, e, aplicando-se a filosofia do vulgo e leigo, “ninguém melhor do que o paciente para
apontar ao médico onde sente suas dores”. .
Nesse contexto de participação nas
discussões e soluções conjeturadas, não podem ser excluídos os estudantes,
cujas opiniões, através dos seus órgãos de representação ou de lideranças
identificadas, merecem ser sopesadas. Na minha compreensão, a maturidade não
está na idade das pessoas, nem o discernimento é monopólio dos adultos. Do
mesmo modo, entendo que o exercício da cidadania não escolhe idade,
experiências e graus de escolaridade.
A partir dessas premissas, vejo que a
questão da segurança nas escolas interessa mais de perto aos estudantes, que
poderão ofertar valiosos contributos para o encaminhamento de soluções para
essa problemática.
Não sem propósito, venho estimulando a
organização de grêmios estudantis nas escolas de minha terra (Buriti-Maranhão),
vislumbrando horizontes animadores para a disseminação da cultura da paz, da
convivência harmônica, sem preconceitos e intolerâncias, e sem embargo do progresso
e do desenvolvimento de uma sociedade justa, solidária e humanizada, com
reflexo direto para a comunidade buritiense.
BENEDITO FERREIRA MARQUES
- Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1967); cursos de Especializações (Direito Civil – Direito Agrário e Direito Comercial) e Mestrado em Direito Agrário, todos pela Universidade Federal de Goiás; Doutorado em Direito, pela Universidade Federal de Pernambuco; Professor de Direito Civil, na PUC-Goiás (1976-1984) e de Direito Civil e Direito Agrário (Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás /UFG (1980-2009). Advogado do Banco do Brasil (1968-1990). Diretor da Faculdade de Direito da UFG (2003-2005) e Vice-Reitor da UFG (2006-2010). Autor de livros jurídicos e não jurídicos (15) e de artigos científicos em revistas especializadas. Conferencista e palestrante em congressos, seminários e simpósios. Tem outorgas de títulos de “Cidadão Pedreirense” (1974), “Cidadão Goiano” (2007) e “Cidadão Goianiense” (1996), além de dezenas de medalhas de honra ao mérito. Pertence ao Quadro de Acadêmico-Fundador da Academia Buritiense de Artes, Letras e Ciências – ABALC, onde ocupa a Cadeira nº6, que tem como Patrono Plínio Ferreira Marques. Colabora com artigos e crônicas para o “Correio Buritiense”.
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