*Por Benedito Ferreira Marques
VIVÊNCIAS ESTUDANTIS
E APRENDIZADOS
Não é a primeira vez que ocupo o espaço franqueado desta
coluna para emitir opinião sobre comportamentos estudantis, principalmente
quando se disseminam notícias alarmantes relacionadas com violências e
inseguranças em escolas, algumas até com vítimas fatais de professores e alunos
seus. Nas redes sociais aparecem pregadores da moral e dos bons costumes;
alguns até estimulando os castigos dos tempos antigos como remédios e alternativas
disciplinadoras como soluções para os dias de hoje, fazendo apologia de
educação do século passado. Certamente, esses
“falsos moralistas” ainda não se deram a refletir sobre os efeitos dos modernos
meios de comunicação a que todos acessamos. Talvez tenham os de última geração
em suas mãos e não os enxergam como vetores. É o que penso.
Dias
atrás, compartilharam-me um vídeo em que um desses pregadores de disciplinas
rígidas dos tempos da palmatória e
dos cinturões corretivos, em mãos do
“mais forte” nas mãos frágeis e lombos
desnudos de submissas criaturas fossem os melhores meios de educação mais
eficientes. De certo, esse protagonista
do vídeo disseminado é daqueles que repugnam o discurso sobre “direitos
humanos” e detestam a expressão “dignidade da pessoa humana”! Não duvido,
sinceramente, mas os compreendo e me apiedo ao vê-los! Embora tenha recebido,
quando criança, “bolos” de palmatórias e chibatadas sonoras de “cinturões”
corretivos, em razão de traquinices da idade, cresci, estudei e aprendi – e
mais que isso, apreendi. Aprendi que
as civilizações evoluem, que os costumes mudam, que a educação familiar e
escolar absorve novos métodos. Apreendi as lições dessas evoluções, desses
novos métodos e me adaptei – com alguma dificuldade, talvez -, os avanços civilizatórios,
a partir de percepções inteligíveis. Percebi que impulsos de delinquências
ocorrentes e recorrentes que se divulgam a todo instante; que ações repugnantes
do ser humano sempre existiram e continuarão existindo - aqui, ali e acolá;
agora e depois -, não se eliminam com as mesmas armas e ferramentas, ainda que
governantes insensatos as apregoem convictamente, com instrumentos de defesa. O
que cabe a cada um ser humano civilizado é a perseguição permanente da
identificação dos problemas e tentativa de soluções menos traumáticas, orientadas
no humanismo inato. Não se pode perder de vista que a convivência humana pacífica
passa, necessariamente, pela compreensão do ontem, do hoje e do que possa vir
amanhã, nessa marcha inexorável dos avanços civilizatórios da humanidade. Quem
não entender isso, também não entenderá as inovações tecnológicas de que se
utiliza, no seu dia a dia; não perceberá que não trafega mais em carros puxados
por bois encangotados, em marcha lenta e sons de rodas, como se fossem gemidos
de animais cansados. Nossa! Não me atrevo a ser um desses arautos da “moral e
dos bons costumes”, muito menos me animam pregações direcionadas para esse ou
aquele segmento, em livros de autoajuda ou panfletos gratuitos distribuídos à
farta, embora respeite quem os cultiva. Repugnam-me essas pregações dirigidas, porque quase
sempre embutem proselitismos doutrinadores – repito, embora respeite quem os
siga.
Não
retomo o assunto da violência e da segurança nas escolas, para identificar
causas, muito menos para ofertar fórmulas mágicas para soluções concretas. O
que me anima e motiva este ensaio é estimular reflexões aos que
engrossam as fileiras dos que querem contribuir com a “cultura da paz” nas
escolas, aqui, ali ou alhures, sem conteúdos ideológicos ou religiosos. Ainda
me considero docente. Volto ao tema para dar testemunhos de minha própria vida
em ambiente de escola. Quem se der ao esforço e tiver tempo e paciência para ler
este texto terá o livre arbítrio para extrair conclusões de suas próprias
reflexões. É o quanto me basta.
Fazia
o meu curso ginasial em regime de internato, num colégio dirigido por padres,
já que o estabelecimento era mantido pela Diocese de Parnaíba (PI),
subvencionado pelo Município e mantido com anuidades dos pais dos alunos. Meus
pais não tinham condições financeiras suficientes para bancarem duas anuidades
– a minha e a do meu saudoso irmão. Meu pai concebeu uma engenhosa uma forma de
nos manter no então famoso Ginásio São
Luiz Gonzaga, com 70 sacos de arroz beneficiado em sua “usina de pilar”,
instalada no fundo do quintal. Não sabia que meus pais desenvolviam atividade
de agroindústria com o produto
primário da roça (arroz), nem sabia que a forma da aquisição daquele produto
era chamada escambo: troca de
mercadorias do seu comércio por “paneiros” de arroz em casca. Isso fez parte do
meu aprendizado proveitoso e, seguramente, contribuiu para a minha formação.
A
disciplina pregada no internato não era tão rígida; não havia “bolos” de
palmatória nem chibatadas de “cinturões”. Os castigos eram outros, assimilados
dos sermões convincentes dos pais confiantes: perder o internato e a
oportunidade de estudar. Essa doutrinação familiar, que se completava
na escola, forjou a minha personalidade e a dos meus irmãos. Comportava-me
naquele internato com a responsabilidade de adulto, de 13 aos 18 anos,
lembrando-me, a todo instante, que tinha uma missão a cumprir, a troco de
“arroz pilado”. Esse comportamento exemplar – o mais que podia -, era observado
pelos diretores. Nos horários de estudos, confiavam-me o papel de “Prefeito de
Disciplina”, cuja função era manter o silêncio da sala e observar a postura dos
colegas. Entre eles, havia um que, apesar de seus pais morarem naquela cidade,
foi colocado naquele regime, com direito de ir para a casa nos fins de semana,
apenas. Era um “capeta” – dizíamos. Certa tarde, fui chamado por uma psicóloga
– a primeira de curso superior, de família tradicional de Parnaíba, recém-chegada
do Rio de Janeiro, e que fora contratada como “orientadora educacional”,
convidada pelo novo diretor, o saudoso Prof.
Edgar Linhares Lima, a quem ainda hoje rendo homenagens e gratidão. A
Diocese o levara de Fortaleza (CE). Não era padre, mas andou perto de ser
ordenado. Suas ideias iam além dos anos de 1956. A “orientadora educacional”, então, me
preveniu que o colega “capeta” tinha a intenção de ceifar minha vida. Escondia
um canivete sob o travesseiro, mas não tinha a coragem suficiente de executar
seu “plano”. Estupefato, indaguei à
psicóloga se sabia a razão daquele intento, pois não me ocorria tê-lo ofendido.
Considerou que podia ser inveja do
tratamento que me era dispensado pelos diretores, como contraponto de sua
revolta contra seus pais. Indaguei-lhe se tinha alguma sugestão a dar-me;
respondeu-me apenas que eu procurasse meios de valorizá-lo. Assim o fiz, na primeira oportunidade, quando
saí da sala de estudos para ir ao centro da cidade comprar alguma coisa. Sempre
escolhia para o meu lugar outro colega, igualmente “comportado”. Naquele dia, entreguei
a sala de estudos ao “comando” do “invejoso” colega, para espanto geral. A
estratégia deu certo: tornara-se um dos melhores amigos no convívio do
internato e mudou totalmente o modo de ser entre os outros colegas. A última vez que o vi, foi em dezembro de
1958. Foi mais um aprendizado proveitoso na minha vida.
Nos
idos de 2007, já exercendo o honroso cargo de Vice-Reitor, na Universidade
Federal de Goiás, sentado à esquerda do Reitor, que presidia uma
importantíssima reunião do Conselho Universitário, para apreciar o Projeto
REUNI, centenas de estudantes invadiram o recinto, para impedir a discussão do
projeto, porque não o queriam. O líder do movimento tomava o microfone das mãos
do Reitor e gritava “palavras de ordem”. Devolvia o microfone, e, quando o
dirigente começava a falar, tomava-lhe novamente o aparelho. A situação tomava
rumos imprevisíveis. Lembrei-me do aconselhamento da psicóloga parnaibana e,
quando o líder estudantil tentava arrancar o microfone mais uma vez,
antecipei-me e o convidei: “venha ocupar o meu lugar aqui na mesa, e irei
sentar na plateia com os seus colegas”. Evidentemente, ninguém esperava aquele
meu gesto inopinado. Sem titubeios, o
estudante (ao que fui informado hoje é professor da UFG) aceitou e ocupou a
minha cadeira. A Mesa não me deixou descer à plateia, arranjando-me outra
cadeira. E a reunião aconteceu...e o Projeto REUNI foi aprovado... e a UFG
cresceu três vezes mais. Assim é a vida!
COMPREENDER É PRECISO. DIALOGAR É NECESSÁRIO.
SOBRE O AUTOR

- Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1967); cursos de Especializações (Direito Civil – Direito Agrário e Direito Comercial) e Mestrado em Direito Agrário, todos pela Universidade Federal de Goiás; Doutorado em Direito, pela Universidade Federal de Pernambuco; Professor de Direito Civil, na PUC-Goiás (1976-1984) e de Direito Civil e Direito Agrário (Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás /UFG (1980-2009). Advogado do Banco do Brasil (1968-1990). Diretor da Faculdade de Direito da UFG (2003-2005) e Vice-Reitor da UFG (2006-2010). Autor de livros jurídicos e não jurídicos (15) e de artigos científicos em revistas especializadas. Conferencista e palestrante em congressos, seminários e simpósios. Tem outorgas de títulos de “Cidadão Pedreirense” (1974), “Cidadão Goiano” (2007) e “Cidadão Goianiense” (1996), além de dezenas de medalhas de honra ao mérito. Pertence ao Quadro de Acadêmico-Fundador da Academia Buritiense de Artes, Letras e Ciências – ABALC, onde ocupa a Cadeira nº6, que tem como Patrono Plínio Ferreira Marques. Colabora com artigos e crônicas para o “Correio Buritiense”.
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