Em entrevista ao programa Café com Política, da rádio Super Notícia 91,7
FM, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), pré-candidato à Presidência da República,
falou sobre seu projeto econômico que pretende apresentar ao país para retirar
o Brasil da crise. Ele também fez uma análise sobre o panorama eleitoral para
2018 e fez duras críticas ao governo Dilma (PT) e ao prefeito de São Paulo,
João Doria (PSDB), a quem classificou como pessoa sem currículo e sem condições
de presidir o país.
Ministro, você está costurando sua pré-candidatura
à presidência no ano que vem. Qual o papel de Minas, o segundo maior colégio
eleitoral do país, neste processo?
Não é só que Minas tem o segundo
maior colégio eleitoral, mas quem conhece a história brasileira sabe que aqui é
o sincretismo do país. É o sincretismo econômico, cultural, a unidade. Aqui não
prospera o estigma contra o nordestino porque o Norte de Minas é um pedaço do
Nordeste que os mineiros tomam conta. Você tem uma São Paulo pujante e rica ali
no triângulo, Uberlândia é um centro econômico no país. Em Araguari há o melhor
café do mundo. Muriaé é uma espécie de centro-oeste. Todas as expressões do
país se encontram aqui. O Rio está em Juiz de Fora. Há um agronegócio muito
diversificado, há o turismo nas cidades históricas. Em 1930, o Brasil revogou a
velha república, que proibia as mulheres de votar, mantinha o poder aos
coronéis, e Minas, com Andrada, insulta Getúlio Vargas e pare a revolução que
criou o Brasil moderno. FHC, quando chega ao poder, sabendo disso, trata de destruir
as finanças do Estado. Minas precisa estar de volta ao cenário, quem precisa
ter um candidato a presidente é Minas, mas o Palácio da Liberdade se
transformou em um moedor de lideranças. Um dos meus compromissos é libertar
Minas deste jogo.
Como foi feita a escolha para visitar Minas neste
início de pré-campanha? O ex-presidente Lula optou por viajar pelo Nordeste.
Nunca perdi uma eleição no meu
Estado, o Ceará é o oitavo estado do país e eu nunca perdi lá. É um povo que
perdoa todos os meus defeitos, nenhum deles é moral, e então me orgulho muito
disso. Temos lá as finanças mais sólidas do país, não só pelo meu trabalho, mas
porque ajudei a formar lideranças. Já em Minas, veja bem, Aécio foi derrotado
por Dilma. Há uma ilusão de que o fenômeno Lula é regional no Nordeste. Tenho
muito respeito por Lula, mas acho que a presença de Lula no processo eleitoral
de agora é um desserviço a ele e ao Brasil. Por quê? Porque o país está em
pandarecos. No momento que estamos aqui conversando, há 14 milhões de brasileiros
desempregados, fora outros reprimidos no trabalho informal. Há um genocídio
ocorrendo contra os jovens pobres e negros em todas as cidades, embalados pelo
narcotráfico. Se somar isso ao drama da saúde, e as causas disso, que não se
conversa com o povo. Estão desindustrializando o país. O Brasil precisa,
suplica, que tenha um debate sobre isso. Não há saída sem debate, não tem golpe
de frase feita, não tem "bandido bom é bandido morto", ou então
"vou chegar lá e acabar com a corrupção". Já governei a economia do
país como ministro da Fazenda, sei do que falo, enquanto isso há gente dando
opinião e falando sem parar sem saber de nada, sem sequer ter um especialista
do lado. É uma das coisas que me fizeram a voltar pra política, eu havia me
afastado.
Na questão econômica, muitos apontam falhas de
Guido Mantega na condução da economia durante o governo Dilma. Você não é de
uma escolha semelhante a dele?
De forma alguma, nem parecida. A
Dilma praticou uma escola fiscal como gente que não entende nada da área. O
Guido também ficou perdido. Mas é aquele negócio, o Churchill, que foi
primeiro-ministro da Inglaterra, avisava sobre o crescimento de Hitler, sobre a
anexação da França pela Alemanha, sobre o nazismo, o pacto com Stalin, e todos
o chamavam de bocão, de exagerado. Aí pouco tempo depois, quando a 'merda'
aconteceu, chamaram quem pra resolver? Chamaram ele, é o cara que viu tudo
antes. No caso da Dilma eu falei com clareza. O problema do país antes não era
fiscal, mas ela não entendeu as consequências para o Brasil na crise de 2008. A
crise durante o governo Lula foi basicamente uma redução de crédito, aí os
bancos saíram do financiamento e nós corremos com BNDES, Caixa, tudo para
estimular o consumo. E isso atenuou o efeito da crise. Já em 2013 não era essa
a cara da crise, o Mantega leu mal a crise. O que aconteceu é que o Brasil tem
uma matriz econômica muito dependente dos importados, todos os equipamentos de
computador, a fibra da nossa roupa, tudo, é importado, 80% dos remédios. Isso
gera um rombo que pressiona sempre a desvalorização do real. O povo não compra
dólar, mas come pão. Pra fazer pão se usa trigo, e trigo a gente não produz. Aí
compra trigo de fora com dólar. Pra você ver, quando Lula entregou o poder pra
Dilma o dólar estava R$ 1,75, quando Dilma saiu, o dólar estava R$ 4 pelo mesmo
trigo. O preço da passagem de ônibus é diesel, e há uma política estúpida de
não produzir aqui. Tudo isso aconteceu quando os produtos que exportamos parou
de sair. O minério de ferro, o barril de petróleo, tudo isso mudou
completamente de preço, desvalorizou-se os nossos produtos.
Fazer com a economia deixe de ser baseada em
commodities não é uma mudança fácil, não é?
Difícil, de longo prazo, mas
inadiável. O povo não pode acreditar, claro, que é fácil de fazer um cavalo de
pau pra arrumar as coisas de repente. Não quero ser nenhum herói também, só
falo para as pessoas pensarem, participar do debate. Era mais fácil, claro, só
falar mal do Temer, bajular o povo e tudo. Mas precisamos entender a crise,
debater a desmoralização da política. O povo está desacreditado da política
praticamente de forma geral, por causa da roubalheira mesmo, por ladroeira e a
sensação de que político só presta em véspera de eleição.
Você disse que não dá para resolver a crise
econômica em curto prazo. Quando você acha que a crise sairá de vez e quando a
economia ficaria em um ponto ideal?
Curto prazo não há, mas em seis meses
de governo dá pra melhorar muito a situação. O que precisa ser objetivado como
meta é ter estabilidade, mas com um pacto junto do povo. Fernando Henrique não
fez isso e saiu desmoralizado do governo. Lula conseguiu fazer e elegeu Dilma
como sucessora por conta disso. Dilma saiu do jeito que saiu, e o PT está
pagando o preço, a pretexto porque não fez isso. Itamar fez isso tudo também e
sem precisar comprar deputado, e enfrentando uma mídia de oposição muito forte.
Até foto de baixo pra cima com a namorada sem calcinha para desmoraliza-lo.
Essa turma da dinheirama que ganhava muito dinheiro com a inflação ficou
irritada porque Itamar começou a combater a inflação. Hoje precisamos é de um
projeto nacional, para cobrir os milhões de garotos e garotas que chegam ao
mercado de trabalho todo ano e dar novas oportunidades de reinserção para as
pessoas de meia idade, que estão sendo trocadas por máquinas, precisamos
crescer 5% ao ano por baixo. De 1980 pra cá crescemos em média 2%. A China, em
1980, representava menos que o Brasil no mercado mundial mesmo tendo muito
menos população. Éramos muito mais ricos e desenvolvidos que eles. Hoje o
Brasil representa 1% do mercado mundial e a China foi para 12%. O que aconteceu
neste meio tempo? Destruímos a nossa política desenvolvimentista através de uma
lógica que nos foi vendida como ciência boa. Resultado, abrimos mão do
desenvolvimentismo acreditando que a força da gravidade, que a iniciativa
privada iria melhorar as coisas. O resultado prático está aí. A nossa indústria
perdeu força. Estamos retrocedendo para as primeiras décadas do século passado.
O Brasil está com blocos fortes de mercado para voltar a crescer, como
petróleo, gás, complexo industrial do agronegócio, complexo industrial da
Defesa. Aliás, é bem grave o que Temer está fazendo, de forma canalha,
convidando as tropas americanas para fazer manobras na Amazônia brasileira na
fronteira com a Venezuela. Isso viola uma tradição militar centenária, Duque de
Caxias deve estar se revirando no túmulo. Quem é que aceita uma coisa dessas?
Força estrangeira fazendo manobras em território brasileiro, em tempos de paz,
justamente na Amazônia? Esse canalha, não há outra palavra para quem vende a
pátria, ele revogou uma reserva que é do tamanho da Dinamarca para entregar às
mineradoras multinacionais. E essa
reserva quem criou foi a ditadura militar, não é coisa de esquerdista marinista
não. Foi o regime militar porque é uma área rica em recursos minerais e
população indígena. Há outro bloco também sobre a indústria da saúde. O Brasil,
nosso governo, esse ano, está comprando do estrangeiro 17 bilhões de dólares
para comprar cadeira de rodas e outros equipamentos de empresas de fora. Mas se
fizer uma pesquisa de mercado em Governador Valadares, se você investe na
indústria de lá, você gera emprego aqui, você financia empresas daqui.
Há uma análise de que seu temperamento forte tem
afetado na popularidade. Você estaria disposto a reformular sua imagem para a
eleição?
Marinheiro que vai pro mar, não pode
reclamar do mar. Quer descer pro playground, tem que saber brincar. Então um
cara que já foi deputado, foi prefeito, governador mais jovem da história do
país, ministro da fazenda mais jovem da história, entrava em restaurante sob
aplausos, não tem um escândalo na minha vida, o que é minha obrigação. Então
tem o que pra me criticar? Não sou corrupto, não sou incompetente, aí sobrou
isso de destemperado, de bocudo. Há uma estrada longa até a eleição, então pode
ter certeza de que farão de tudo para me atingir desta maneira. Querem
antecipar a eleição para manipular com pesquisa, abater moral de militante, pro
povo não acreditar. Mas o Brasil está se rebelando. A imprensa de Minas agora
não tem compromisso algum com essas conspirações que fazem em São Paulo, a
imprensa gaúcha também não. Aí não tem prefeito de São Paulo querendo aparecer
mesmo nunca tendo sido nada, nunca tendo pisado em fazenda, em roça, não ter
atendido um balcão de negócios. E é milionário, agora governando São Paulo pelo
celular. Aí fica inventando que é a nova política. É uma picaretagem antiga, o
Cesar Maia já fazia isso no Rio, se vestir de gari, uma vergonha. Daqui a pouco
vão questiona-lo se ele é governador do Rio Grande do Norte. Quando você vai escolher
o médico do seu filho, você analisa currículo, onde trabalhou, com quem ele
formou. Mas no Brasil há um culto a ignorância. O cabra se considera autorizado
de enganar a população deste jeito.
Qual a sua avaliação da tramitação em tempo recorde
da condenação de Lula no TRF?
O ideal da justiça é a celeridade.
Que coisa estranha essa narrativa de perseguido político passa um pouco do
limite. Se eu fosse acusado pelo MP, mais do que suplicaria uma apuração. Eu
não teria coragem de colocar a cara na rua sendo suspeito de algum crime. Lendo
o processo, como professor de Direito que também sou, não consigo visualizar
sustentação naquela sentença. Ela é inconsistente. Fica simples, aliás, se você
tem uma prova que demonstra uma acusação, não são 208 páginas, é uma só. A
sentença é fraca. Ao invés de reclamar que o expediente foi rápido, tem que
reclamar que precisa ser rápida assim para todos. Se eu for algum dia acusado,
quero ser avaliado até fora dos prazos. Se eu tiver segurança que não fiz nada
errado, que seja ligeiro. É a minha posição, é o que o Itamar Franco fez. O Hargreaves, que era seu braço direito,
foi acusado de corrupção injustamente e o Itamar o afastou no mesmo dia, e
ainda pediu celeridade na CPI. Foi o que eu fiz como governador também, tive
três secretários acusados. Será assim se eu for presidente. Se o camarada for
culpado, aí é problema da polícia. Se for inocente, volte tranquilo. A política
é assim, todos estão sujeitos a sofrer calúnia, a ser acusado injustamente.
E se ele não disputar a eleição, você passa a se o
grande nome da esquerda na eleição?
Não defendo que o país tenha que ter um projeto de
esquerda. A nossa economia, nossas relações
internacionais, tudo isso não compreende um projeto de esquerda sectária e
ultrapassada. Por isso o trabalhismo, o PDT principalmente, nunca deixou de
reconhecer a importância do mercado privado. Aliás, sempre tivemos uma briga
histórica com os comunistas por conta disso. Getúlio, Goulart, Brizola, todos
tiveram problemas com os comunistas. Nosso projeto é unir quem produz com quem
trabalha, reindustrializar o país e sanear as contas dos Estados, como é o caso
de Minas por exemplo. É um compromisso que faço.
O que se constrói como narrativa para 2018 é uma
polarização esquerda-direita, talvez alguns mais extremos como Bolsonaro. Como
desconstruir esse panorama?
Tem que ter paciência, esse é um
quadro de ativistas, de militantes, não é uma coisa reflexiva do país. O
problema do Jair é que ele tem 26 anos como deputado. Fui colega dele e uma vez
me disse que votou em mim em 2002. Ele representou a vida inteira um segmento,
o militar aposentado. Ele representava esse povo. De um tempo para cá ele
aumentou a defesa para a classe militar inteira, principalmente com os ataques
sobre os abusos ocorridos depois de 64. É um cara politicamente incorreto, tem
aquelas frases famosas, ele vai dizendo as maluquices que vem na cabeça. Se me
chamam de destemperado, como vamos classificar ele? O Ariano Suassuna brincava
assim: 'li no jornal que o Chimbinha, da
banda Calypso é um gênio. Se for assim, como vou classificar o Beethoven?'.
O Jair é a negação da política, o protesto. Não por acaso o eleitor dele é
homem, jovem, desempregado, sem amor, sem afeto, que tem um apelo de autoridade
meio difuso, uma negação da política careta. É um pit stop, daqui a pouco as
pessoas vão questionar sobre quem vai gerar emprego, quem vai administrar
economia, taxa de juros, financiamento, quem vai desenhar um modelo de saúde
pública. Aí ele começa a cair. Meu palpite é que 2018 será semelhante a 1989.
Teremos de quatro a seis candidatos competitivos, entre 10% a 20%. Acho que o
Lula não será candidato, não por condenação, mas por considerar que o momento
não é para isso. E aí a reta final será definida pelo debate. No Brasil nunca
houve debate direita-esquerda. O Collor ganhou por ser um moralizador novo. A
tendência do povo, pelo desastre que foi o Sarney, era buscar um salvador, um
moralizador. Era um fim de ciclo. Agora vivemos outro fim de ciclo.
Como desconstruir a imagem destes candidatos? Em
uma campanha muito curta, você faz uma análise complexa.
É muito complexo mesmo, mas a
campanha formal é apenas um apurado da política. Ali por dezembro, por exemplo,
quando o PSDB definir pelo Alckmin, vai ter pressão para romper com o Temer. Para
simular que eles não tem nada a ver com o desastre que está aí. Na hora que ele
se situar, ele vai desidratar o Dória. Ele é uma direita respeitável. Não
consigo chamar o Alckmin de canalha. Não concordo com nada com ele, mas
respeito e dá pra debater com ele, é outro nível de debate. Vai defender a
privatização, mas pelo menos tem um debate. As correntes de opinião também não
são tantas. O voto de centro-esquerda vai tensionar entre eu e Lula, mas não
quero ir para o caminho fácil da popularidade. Nas últimas eleições o PT foi
varrido das cidades brasileiras, já eu nunca perdi uma eleição na minha região.
Não disputei nada, mas a turma que ganhou é tudo da juventude da minha ala.
Bate-papo rápido. Você sofre preconceito por
ser nordestino?
Uma parte sim, mas é pouca coisa. Uma
vereadora do Rio Grande do Sul falou uma bobagem, mas um cabra do sertão do
Ceará também fala bobagem. Mas aqui há uma identidade cultural que nós faz
muito irmãos. Em Minas sou recebido como filho há mais de 25 anos.
Casamento gay, a favor ou contra?
Não podemos ser contra qualquer forma
de amor.
Aborto?
É uma tragédia humana, social, moral,
religiosa, mas o Estado não pode entrar no meio para agravar essa tragédia, só
se for para proteger e agasalhar. Quem tem que decidir isso é a mulher.
Legalização das drogas?
Sou candidato a presidente, não de
guru de costumes. Respeito todas as opiniões, as igrejas são contra, e eles são
meus aliados no enfrentamento da pobreza. Então não quero ser guru. Mas o
usuário não pode ser reprimido.
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