Uma abordagem crítica sobre o ensino domiciliar
Projetos Confusos para Interesses Difusos
*Por Benedito Marques
O próximo dia 28 de abril é dedicado à EDUCAÇÃO. Mesmo tendo exercido o magistério no ensino médio e no superior – sem contar um ano de aulas para alfabetização de adultos, em Parnaíba (PI), nos anos 50 do século passado -, não considero, a priori, um dia para comemorações e festejos, ao som de estampidos de fogos de artifícios, desfiles de bandas de fanfarras, brindes e coisas do tipo “Viva o Brasil ! Viva a Pátria Educadora!”. Não é esse o meu propósito. A data há de servir para reflexões; muitas reflexões, e não apenas por professores, estudantes e pais de estudantes. É um assunto que interessa a todos os brasileiros e, portanto, é de interesse coletivo.
Alguns ruídos que se tem ouvido nos últimos meses – e, principalmente, com a instável situação a que foi entregue o Ministério de Educação (MEC), trocando-se ministros (com “m” minúsculo mesmo) e subalternos naquela pasta -, leva o observador atento a pensar, criticamente, o sistema educacional de nosso País, bem como as propostas e projetos que se apresentam como soluções de problemas tão graves e desafiadores que estamos enfrentando, já não é de hoje. Dir-se-ia mesmo que o interesse por resoluções pragmáticas para tais questões ganhou dimensão difusa, na medida em que as diferentes opiniões refletem percepções segmentadas, de acordo com posições éticas, sociológicas, religiosas, políticas e até de sistemas de governança pretéritos, alimentados por sentimentos nostálgicos, incompatíveis com a sociedade moderna, que se nutre de informações instantâneas da mídia.
O título dado a este comentário tem a ver com essa dimensão difusa da temática, porque preocupa estudantes de todos os níveis, professores de diferentes graus de qualificação e pais ou responsáveis por crianças e adolescentes, com situações socioeconômicas diversificadas, num país de poucos ricos e muitos pobres. Há diferenças acentuadas e assustadoras entre classes na pirâmide social do Brasil.
Noutra vertente, o tema envolve interpretações da legislação vigente – inclusive da própria Constituição Federal – perpassando a “LDB” (Lei de Diretrizes e Bases da Educação e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e outras tantas que formam o sistema legal da política educacional e de representação de capacidade para o exercício da vida civil. Além deste espectro legislativo, ainda se coloca na mesa das discussões uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, por maioria, rejeitou a postulação de uma família interessada na tutela judicial para ter o direito de ensinar seus filhos fora da escola, sem a obrigatoriedade de matrículas formais. É o que já existe em alguns países, com o apelido de Homeschooling.
A possibilidade de ser instituída essa modalidade de formação de filhos em idade de aprendizagem básica não é tão simples assim. As dificuldades começam pela inexistência de legislação específica a regulamentar a matéria, conforme decidiu a Suprema Corte de Justiça do Brasil. Imagine só: temos uma Câmara Federal composta por 513 deputados e um Senado com 71 senadores, e não temos uma legislação que regule a chamada “Homeschooling” (para quem gosta de estrangeirismos), tendo como professores os próprios pais. Sabe-se que há projetos encalhados em Comissões da Câmara e que, desde o ano 2000, outros foram apresentados, mas rejeitados e arquivados, em face de interpretações díspares de textos constitucionais, da LDB, do ECA e de outras normas. Agora, no atual Governo Federal, que pretende revolucionar sistemas que possam ter sido concebidos com viés ideológico da chamada “esquerda-comunista” (!?), o assunto volta ao centro das discussões. E o que é pior: fala-se em instituir essa modalidade de ensino no nível básico por meio de Medida Provisória. Meu Deus! De acordo com a Constituição Federal (art.62), medidas provisórias somente se justificam em casos de relevância e urgência. Neste passo, pode-se dizer que somente essa esdrúxula cogitação já pode alimentar um debate. Ora, se desde 2000 vêm sendo apresentados projetos, rejeitados e arquivados, onde está a urgência para justificar a edição de uma medida provisória? É evidente que a intr5odução dessa novidade no sistema educacional brasileiro depende de uma legislação amadurecida e forjada com respaldo majoritário dos segmentos interessados. Como já adiantei em outro texto publicado nesta coluna, as regras (leis) são concebidas e nascidas nos fatos sociais emergentes, e se norteiam por princípios arraigados. Leis forjadas apenas na vontade de segmentos pontuais minoritários, que venham impactar, fortemente, na vida da maioria, tendem a criar nichos sociais privilegiados. Não se pode legislar – ainda mais por meio de medida provisória -, apenas paras atender aos que pretendem conduzir o processo ensino-aprendizagem no nível básico em casa, porque têm tempo e condições financeiras, e não precisam da tutela estatal. Seria transformar exceções em regra. O embrião elitizante já se planta aí.
Creio não estarei comprometendo a postura ética que devo manter neste espaço, que me foi gentilmente franqueado, se comentar um vídeo compartilhado pelo meu irmão Raimundo Marques, cuja factibilidade na vida real afasta suspeitas de fake News. A cena mostra um suposto pai, agricultor, indagando a seu filho se ele não ia à escola, ao que este respondeu que não queria ir. A reação do pai foi lhe dar a opção de ir com ele trabalhar na roça. A criança, então, resolveu colocar a mochila a tiracolo e rumar para a escola. Uma cena certamente corriqueira nas longínquas paragens do interior, que se transforma em exemplo para refletirmos sobre alguns aspectos. Em primeiro lugar, vemos que nem todos os pais podem conduzir o processo ensino-aprendizagem, substituindo a escola. Em segundo lugar, Svemos que o enredo nos leva a pensar quão complexa é a institucionalização de um novo modelo educacional, considerando-se as diferenças socioeconômicas e regionais da família brasileira. O terceiro ponto nos convida a raciocinar que o dever de ir à escola não se situa na vontade exclusiva do educando, ainda que seja ele o principal protagonista do sistema educacional. Trata-se de um direito e um dever, a um só tempo, tanto para o educando, como para seus pais e para o Poder Público.
A “Lei Maior do País” considera a educação – tal como a saúde -, direitos do cidadão e dever do Estado e da sociedade. Se a sociedade é corresponsável no processo educativo, isso significa que ações produtivas podem ser implementadas por qualquer cidadão que tenha preocupação com o futuro da nação brasileira. A “Família Ferreira Marques”, por exemplo, tem feito investimentos consideráveis no povoado Barro Branco, a 12 Km da cidade de Buriti (MA), propiciando espaços esportivos para as crianças e adolescentes da U.I. Francisco Alves Ferreira, extensivos a todas as demais escolas circunvizinhas e até da sede do Município, sem qualquer custo. É um esforço consciente que se tem feito, visando a contribuir com o Poder Público, através da educação esportiva, cujos resultados se refletirão na formação da juventude, inclusive na melhoria do desempenho escolar. Espera-se que as autoridades municipais acolham tais iniciativas e com elas contribuam com professores de educação física, para que as modalidades esportivas praticáveis naqueles espaços privados alcancem suas finalidades precípuas.
A inserção desse comentário não foge da temática escolhida para o texto que me propus desenvolver. Com efeito, a prática esportiva é coletiva e, sem dúvida, viabilizará a socialização dos estudantes, pelo convívio, pelas diferenças de idade e tamanho, pela troca de experiências, pela aceitação das diversidades, inclusive de gêneros, sem quaisquer preconceitos, que alguns pedagogos insistem em introduzir no sistema educacional. É evidente que essa convivência coletiva, inclusive nas salas de aulas e nas organizações representativas em grêmios, conduz à socialização e, com esta, a formação da cidadania que todos irão vivenciar no futuro. É nas entidades estudantis que se formam líderes, e serão estes que irão conduzir os destinos do País na posteridade.
Não tenho receio em marcar a minha posição contrária a esse projeto de institucionalização da “Educação em casa”, no processo de ensino-aprendizagem, até porque, na minha percepção, poderá ensejar a segregação e criar mecanismos de disciplina rígida e opressiva, ou a facilitar posturas protetivas, e até de indução a crenças religiosas, num país constitucionalmente laico. Também há o risco de fomentar o aumento da evasão escolar e a formação de nichos sociais privados, incapazes de se integrarem à sociedade, dificultando a ambientação nas comunidades, com a compreensível timidez no processo de interação com ativistas de comunidades atuantes em diferentes atividades complementares ao desenvolvimento da criança e do adolescente.
o entrelaçamento de comunidades em geral.
Nesse contexto também se inclui a proposta legislativa chamada “Escola sem Partido”, que nada mais é do que inibir o professor de manifestar opiniões em determinado conteúdo posto no material didático emanado dos órgãos de controle estatal, além do que fecha as portas para o livre pensar do estudante, tolhendo-lhe também as aptidões criacionais. Como poderá um estudante egresso do ensino básico enfrentar a iniciação científica, se nenhuma experiência lhe foi oportunizada?
Com essas premissas, não é difícil discordar desse projeto que tramita no Congresso Nacional, até porque a iniciativa deita raízes em crenças religiosas, e estas, como se sabe, geralmente são marcadas por maniqueísmos inconsequentes, tendentes a dividir famílias, que constituem o núcleo básico da sociedade.
Por derradeiro, colocam-se em debate manifestações atribuídas a certas autoridades governamentais divulgadas pela mídia, no sentido de elitizar o ensino superior e promover a gradual redução de incentivos às pesquisas, cortando bolsas de estudos fornecidas pela CAPES/CNPQ. Se essa intenção for implementada, incontáveis projetos de pesquisas em andamento, no Brasil e em Universidades de outros países, representarão o mais trágico e contundente retrocesso, com o qual os brasileiros não poderão quedar-se em silêncio e sem resistência.
SOBRE O AUTOR
BENEDITO FERREIRA MARQUES nasceu no dia 11 de novembro de 1939, no povoado Barro Branco, no município de Buriti/MA. Começou seus estudos em escola pública e, com dedicação, foi galgando os degraus que o levariam à universidade. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1964), especialista em Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial; mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (1988); e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: direito agrário, reforma agrária, função social, contratos agrários e princípios constitucionais. NA Universidade Federal de Goiás, foi Vice-reitor, Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Agrário e Diretor da Faculdade de Direito. Na Carreira de magistério, foi professor de Português no Ensino Médio; no Ensino Superior foi professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Comercial, sendo que, de 1976 a 1984, foi professor de Direito Civil na PUC de Goiás. Acompanhou pesquisas, participou de inúmeras bancas examinadoras de mestrado, autor de muitos artigos, textos em jornais, trabalhos publicados em anais de congressos, além de já ter publicado 12 livros, entre eles “A Guerra da Balaiada, à luz do direito”, “Marcas do Passado”, “Direito Agrário para Concursos”; e “Cambica de Buriti”; entre outros.
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