Pular para o conteúdo principal

Coluna SEXTA DE NARRATIVAS - UM ENGENHO, DOIS AMIGOS, UMA SAUDADE

Um dos mandados, que mais me dava prazer em cumprir, no meu tempo de menino, que já se distancia muito no tempo, era ir comprar mel, alfinim, batida e rapadura, no Engenho do seu Máximo Lopes, lá na minha BURITI querida, que funcionou por longos anos na estrada de Mocambinho, próximo ao povoado Palmeira Torta.

Administrado pelo meu saudoso Negro CANECO, naquele tempo esse tratamento não era considerado crime de racismo, mesmo porque, era um tratamento carinhoso, puro e sincero!

CANECO era uma pessoa humana espetacular, educado, inteligente, apesar de semianalfabeto, mas muito polido de cor, de coração e de alma, que tratava a todos, com muito respeito e, sempre, com um sorriso de encher os olhos, o dia e a semana inteira!

Eu chegava ao portão de entrada do Engenho e lá estava ele a me recepcionar com a alegria espontânea que lhe era peculiar e a interrogação de sempre: sê-u Dêjáime, vêi tomá um-a garapín-a? Pódi Entrá, seu minino, talí os cópus!

 Só essa recepção já me bastava para ter um dia alegre, e claro que a garapinha era uma delícia e eu jamais poderia recusar a gentil oferta!

Conheci o CANECO e nos tornamos amigos, através de um contemporâneo do Grupo Escolar Antonio Faria, meu amigo Francisco das Chagas Oliveira Rêgo, ou simplesmente Chico Rêgo, um amigo daqueles que meu pai chamava AMIGO DO PEITO, e era mesmo e o foi por mais de sessenta anos, até o nosso último Carnaval juntos, no trágico e atípico ano de 2020, quando ele involuntariamente encerrou sua passagem na Terra dos Humanos.

 Tomada a garapa saborosíssima, com o pão mais gostoso que já saboreei até hoje, eu começava a desincumbir-me da minha obrigação, isto é, comprar as encomendas! Era então a hora de negociar, duas rapaduras, um alfinim, uma batida e um litro de mel! Toda a despesa girava em torno de dois cruzeiros, uma cédula de cor amarela, que eu me orgulhava de ostentá-la por alguns minutos e naquele momento me considerava um homem rico!

CANECO atendia ao pedido, recebia o dinheiro e, perguntava-me sorridente: meu brâncu num qué levá maiz úm-a rapadura, úm-a batida ô úm aufiním? Eu apreensivo lhe dizia: não posso comprar mais do que me mandaram e não tenho mais dinheiro meu amigo, ao que  ele sempre sorrindo dizia mansamente:  escôia, môcím de Deus, é um presenti do ingêem, seu Mácimu mi dêu ordi! Contente e, agora despreocupado, eu fazia a minha escolha e, pensava, ah, esse presente é meu, pois fui eu quem fez o negócio! Pensamento correto, mas desnecessário, pois na minha casa, realmente tudo era nosso, todavia toda criança tem seu egoísmo inocente e eu não poderia ser a exceção! Efetuada a compra, era hora da despedida e o agradecimento ao meu amigo CANECO, que me fazia uma cobrança encantadora: decá o abráçu do Nêgu Véi! Que educação natural, que ser humano formidável!

 Em casa, a festa, não sem antes o questionamento sobre o excesso nos itens da encomenda, porque no conceito da minha família, criança não  tinha dinheiro, se o achasse não era dono, era obrigado a gravar o local do achado, para que os mais velhos procurassem o dono e, se aparecesse, com qualquer coisa não adquirida com o consentimento  dos pais ou responsáveis,  teria de justificar!  Essa norma foi sempre um paradigma para mim e para os meus irmãos, que até hoje eu sigo, como uma excelente lei consuetudinária!

Na minha Buriti querida havia outros engenhos de cana de açúcar, os do seu Miguel Barbosa e do seu Santinho, no entanto aquele era o meu preferido, por me ter sido apresentado pelo meu inseparável amigo Chico Rêgo, colega de escola, que muitos anos depois se tornou meu Compadre, sou padrinho da filha dele de nome Raquel, uma Linda Princesa.

Aquele Engenho de Cana de Açúcar, que eu conheci e, com ele convivi e do qual saboreei as maravilhas nele produzidas, ficou gravado para sempre na minha memória. Foi através dele que conheci aquele Negro CANECO, um ser humano extraordinário da minha raça, a raça humana! Embora tenha conhecido com mais proximidade a família do seu Máximo Lopes, nunca tive oportunidade de agradecer aquelas autorizações tão importantes para mim, quando seu freguês anônimo! O meu estimado Negro CANECO, muito tempo depois, eu o reencontrei um senhor Funcionário dos Correios e lhe parabenizando, dei-lhe um abraço e rememorei o tempo do velho Engenho!

Ele eufórico e sempre muito gentil, com o mesmo linguajar puro repetiu:

DECÁ u abráçu do seu Nêgu Véi, Cêu Dotôzã-u.

Foi o nosso último abraço, do qual guardo o calor humano de um ser muito Especial na minha VIDA.

Meu INESQUECÍVEL amigo Negro CANECO. VOCÊ foi um CIDADÃO honrado que dignificou a nossa cidade, com TRABALHO, EDUCAÇÃO DE BERÇO e uma maneira ESPECIAL de Gentileza e de AMIZADE na verdadeira acepção da palavra.

Orgulho-me de ter sido seu amigo, convivido com Você e recebido suas maravilhosas lições de sabedoria, de Humildade e de VIDA, que ainda hoje me acompanham e me servem. Agradecido tento inseri-lo na história da nossa cidade, como um Vulto Valoroso.

Seu Máximo Lopes, obrigado por ter-me presenteado tantas vezes, embora tendo eu sido um Anônimo para o senhor.

Meu IRMÃOAMIGOCOMPADRE Chico Rêgo, penhoradamente agradecido por ter sido tão fiel ao nosso pacto de AMIZADE nascida na nossa infância até o termo da sua jornada terrena.

Todos VOCÊS, deixaram imorredouras boas Lembranças e uma Eterna SAUDADE.


SOBRE O AUTOR

É buritiense, ardoroso amante da sua terra, deu seus primeiros passos no velho Grupo Escolar Antônia Faria, cursou o Ginásio Industrial na Escola Técnica Federal do Maranhão e Científico no Liceu piauiense e no Liceu maranhense, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito/UFMA, é advogado inscrito na OAB/MA, ativo, Pós-graduado em Direito Civil, Direito Penal e Curso de Formação de Magistrado pela Escola de Magistrados do Maranhão, Delegado de Polícia Civil, Classe Especial, aposentado, exerceu todos os cargos de comando da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, incluindo o de Secretário. Detesta injustiça de qualquer natureza, principalmente contra os pobres e oprimidos, com trabalho realizado em favor destes, inclusive na Comarca de Buriti.

Comentários

  1. Djalma, meu amiga. Parabéns e agradecimento.

    ResponderExcluir
  2. Saiu o Dr.Benedito Marques e ficou esse.

    ResponderExcluir
  3. Como é bom recordar momentos maravilhosos da infância vivideas em nossa amada Burití.

    ResponderExcluir
  4. Bem lembrado! O caneco, pessoa de ouro, amigo, brincalhão,lembro muito dele,tive o prazer receber das mãos dele muitas cartas, que alguém muito querido me escrevia toda semana,eu sabia a hora que ele passava na rua que eu moravam, então eu esperar ele no portão, pois eu sabia que ele trazia uma carta pra mim.Saudoso Caneco.

    ResponderExcluir
  5. Conheci o Sr. Caneco e toda vez que nós íamos em Buriti, ele me levava de presente a batida com a casca de laranja ( Sinfrônio qdo ia sozinho, ñ esquecia de trazer pra mim) deu inclusive um violão de presente para Ele. Bons tempos que não voltam jamais. Um grande abraço para todos Vocês Amigo Djalma. Vc é um grande Homem desse Mundo de meu Deus.

    ResponderExcluir
  6. Djalma,pensa em uma narrativa sobre o fornecimento de energia elétrica. Da usina e das histórias do fornecimento nde energia até as 22 horas. Um abração. Parabéns

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O comentário não representa a opinião do blog; a responsabilidade é do autor da mensagem. Ofensas pessoais, mensagens preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, ou ainda acusações levianas não serão aceitas. O objetivo do painel de comentários é promover o debate mais livre possível, respeitando o mínimo de bom senso e civilidade. O Redator-Chefe deste CORREIO poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema proposto.

Postagens mais visitadas deste blog

VIOLÊNCIA SEM FREIO EM BURITI-MA: Empresário é morto em assalto e escancara a insegurança no município

   Buriti-MA amanheceu em luto e indignação após mais um crime brutal. Na noite de ontem, sexta-feira 31/1, o empresário Antônio Carlos de Oliveira da Costa, 47 anos, foi assassinado durante um assalto em sua residência, no povoado Bezerra. Ele estava com o filho quando dois criminosos armados invadiram a casa exigindo dinheiro. A vítima foi baleada e morreu após ser socorrida. Momento da chegada da vítima ao hospital municipal - Foto: Reprodução.    O crime expõe a crescente sensação de insegurança na cidade. A Polícia Militar foi acionada, mas as buscas até agora não localizaram os criminosos. A violência vem se tornando rotina em Buriti, sem uma resposta eficiente das autoridades.    É urgente que o município tenha uma Secretaria Municipal de Segurança Pública com orçamento próprio, capaz de articular políticas de prevenção e combate à criminalidade. Medidas como patrulhamento ostensivo, videomonitoramento e investimento em inteligência policial e na Gua...

URGENTE - Justiça Derruba Decreto do Prefeito de Buriti que Suspendia Gratificações dos Servidores

Decisão foi motivada por ação do SINTASP, após revelação do Correio Buritiense     A Justiça do Maranhão, por meio da Vara Única da Comarca de Buriti, determinou a suspensão do Decreto 018/2025, assinado pelo prefeito André Augusto Kerber Introvini, popular ANDRÉ GAÚCHO, que suspendia todas as gratificações dos servidores públicos municipais. A decisão foi proferida pelo juiz Galtieri Mendes de Arruda, atendendo a um mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal de Buriti (SINTASP/MB).    A ação foi movida imediatamente pelo advogado José Walkmar Britto Neto, a pedido do presidente do SINTASP, professor Joseni Souza, após a publicação da reportagem exclusiva do Correio Buritiense, que revelou a medida tomada pelo Executivo Municipal. Decisão aponta ilegalidade no ato do prefeito    O magistrado considerou que a decisão do prefeito de suspender as gratificações fere o princípio da legalidade, uma vez que os bene...

SEGUNDA-FEIRA DE TERROR EM BURITI: Duas tentativas de execução, um assassinato em plena luz do dia, prisão e apreensão de armas calibre .40 e .380 abalam a cidade

A cidade de Buriti-MA viveu uma segunda-feira (9) de violência extrema, marcada por uma sucessão de crimes que chocaram a população e testaram os limites das forças de segurança. Em menos de seis horas, o município registrou duas tentativas de homicídio, um assassinato a tiros em plena via pública, além da prisão de um homem e apreensão de um menor com arma de fogo calibre .40, munições e objetos suspeitos. As informações seguintes foram confirmadas com os registros da polícia militar. Primeira tentativa de homicídio – Tiros à queima-roupa dentro de casa O primeiro episódio aconteceu por volta das 11h15 da manhã, na Rua João Roberto, nas proximidades do cemitério municipal. A vítima, José Maicon Santos da Silva , foi surpreendida dentro de sua própria residência por um homem identificado apenas como “Inácio” , que efetuou diversos disparos. José Maicon foi atingido por três tiros: dois no pescoço e um na região da escápula. A cena do crime indicava a gravidade da ação — a políc...