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Coluna SEXTA DE NARRATIVAS – NEGRO CRUZENSE, UM BOIEIRO ENCANTADOR E MÁRTIR

RAIMUNDO CRUZENSE, foi um jovem Negro que chegou no meu Amado Povoado  LARANJEIRAS oriundo da então Santa Cruz do doutor Duval Castelo Branco, onde a Escravatura deixou uma triste história de prepotência e maldade. Ele veio para trabalhar como lavrador nas lavouras do meu pai, no mês de Junho do ano de 1957, exatamente no período junino.

Era conhecido apenas por CRUZENSE em razão do nome do seu Povoado. Chegou pela manhã e logo depois de merendar, de se alojar no quarto reservado para ele,  começou a trabalhar muito feliz. No final do dia eu ouvi papai dizendo: seu CRUZENSE, se não bromares, estás aprovado, gostei do teu trabalho e os teus colegas também gostaram. Ele riu e disse que não ia fazer vergonha . Foi banhar no Rio Preto, que corta a nossa propriedade e, enquanto banhava, cantava uma toada de boi de pano, como ele chamava. Assim foi o seu primeiro dia.

Três dias se passaram, CRUZENSE desempenhou o seu trabalho a contento. Estava definitivamente aprovado. Chegou o primeiro   sábado e coincidentemente,  seria a apresentação de um Boi do Barrocão, vizinho de Santa Cruz na casa da minha tia Diquinha a trezentos metros da nossa. CRUZENSE ficou muito alegre e disse que conhecia esse Boi e os seus componentes(boieiros).

A noite chegou e o Boi do Barrocão com o seu batalhão também. Fomos todos assistir ao espetáculo da cultura maranhense local e CRUZENSE era todo alegria.Chegando no terreiro onde seria a festança, com três fogueiras já iluminando o teatro a céu aberto, ele foi direto falar com o pessoal do Boi e realmente foi reconhecido com elogios, tendo de logo se integrado ao grupo. A FESTA começou  com a toada Avião de Madeira em homenagem ao Boi e a sua rapidez em chegar para as suas apresentações. Dizia assim : "Eu comprei um Avião de Madeira, e no mês de Junho  eu Tô Láaaaaa, o meu Boín num Rái Faiáaaa!" Muitos aplausos da platéia e CRUZENSE acompanhava os agradecimentos com um chapéu de BOIEIRO emprestado.

A madrugada estava chegando fria e toda  a turma do Boi bem servida de Tiquira da Laranjeiras, Quinado e Conhaque, todos eles totalmente eufóricos e dispostos  a continuarem o show. Repentinamente o NEGRO CRUZENSE, tem um mal-estar, espumando pela boca, cai no meio do terreiro, fica se batendo, perde a fala e causa uma grande apreensão entre todos. Papai se aproximou e tomou a iniciativa de pedir ajuda aos nosssos amigos Babá, Luís Macena e Chiqueta para levar CRUZENSE para a nossa casa,  e nós o acompanhamos. Já em casa, fizeram uma limpeza geral no nosso Boieiro abatido, deram-lhe um chá de folhas de Laranjeira e o puseram para repousar.

A FESTA  continuou estimulada pelas bebidas e pela alegria, afinal, era o Festejo Junino! O dia amanheceu. Domingo era mesmo para descansar e todos ficarmos em casa.Cruzense dormiu até o meio dia e não se levantou. Papai era um leitor inveterado e antes de falar com Cruzense, após pesquisar em um livro, conversando com Mamãe, disse: o Nego Cantador é epilético, pode mandar preparar a alimentação dele normalmente, esta doença não tem CURA, mas não é transmissível. O paciente acordou, muito cabisbaixo. Papai foi falar com ele e o animou dizendo: não te acanhes, pois ninguém adoece por querer. Só me dizes desde quando tu sofres desta doença, para que eu possa te ajudar. Ele ainda olhando para o chão, respondeu que desde os quinze anos de idade.

A partir daquele dia  papai orientou CRUZENSE a não subir nas fruteiras,  pois ele gostava de subir nas mangueiras, nas goiabeiras, nas jaqueiras e nas goiabeiras. Disse também que ele poderia se levantar um pouco mais tarde ao amanhecer, para que o corpo estivesse melhor preparando para enfrentar a doença e evitar os ataques. Ele agradeceu e disse que estava acanhado, mas papai falou: é assim que é pra ser. CRUZENSE continuou morando e trabalhando em nossa Casa, mesmo tendo crises epiléticas em média de três a cinco vezes por mês, por um ano e meio e sempre com DEDICAÇÃO à todos nós.

Por vontade própria Ele resolveu retornar para a sua ter a e para a sua Família,  deixando saudade, por ser um bom trabalhador, amigo e um Boieiro engraçado. Em setembro de 1963, eu e o meu irmão Wilson já em São Luís, recebemos a trágica notícia de que o nosso CRUZENSE havia morrido Queimado quando trabalhava pondo fogo em coivaras de uma roça  na sua região, sem socorro, pois estava sozinho na lida. Chorei muito ao receber a notícia, por considerá-lo alguém da nossa família. Na Verdade ele o foi.

Hoje eu SAUDOSO, faço esta Homenagem  a tua Memória com o Título Simbólico de RAIMUNDO CRUZENSE, UM BOIEIRO ENCANTADOR E MÁRTIR.

SOBRE O AUTOR

É buritiense, ardoroso amante da sua terra, deu seus primeiros passos no velho Grupo Escolar Antônia Faria, cursou o Ginásio Industrial na Escola Técnica Federal do Maranhão e Científico no Liceu piauiense e no Liceu maranhense, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito/UFMA, é advogado inscrito na OAB/MA, ativo, Pós-graduado em Direito Civil, Direito Penal e Curso de Formação de Magistrado pela Escola de Magistrados do Maranhão, Delegado de Polícia Civil, Classe Especial, aposentado, exerceu todos os cargos de comando da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, incluindo o de Secretário. Detesta injustiça de qualquer natureza, principalmente contra os pobres e oprimidos, com trabalho realizado em favor destes, inclusive na Comarca de Buriti.


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