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ALÉM DA LUPA - A FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DOS SÍTIOS RURAIS

*Por Benedito Ferreira Marques

A FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DOS SÍTIOS RURAIS

Parte I

   No dia 5 de junho deste ano (2023), muito se falou sobre o “Dia Mundial do Meio Ambiente”. Verificou-se uma badalação em todos os veículos de comunicação, com imensurável alcance informativo, o que me levou a acreditar que a conscientização para as questões ambientais avançou bastante, para além dos discursos ocasionais, aumentando o pelotão dos “defensores da natureza”.

   Particularmente, atribuindo-me a qualificação de jusambientalista, por extensão do jusagrarismo, entreguei-me a reflexões pontuais, diante dessa problemática ambiental, com foco no meio rural, convicto de que se trata de uma questão imbricada com a agrária. Não sem propósito, o legislador do “Estatuto da Terra”, editado em 30.11.1964, ao fixar os requisitos configuradores da função social da propriedade da terra, inseriu, como indispensável, um que “assegura (r) a conservação dos recursos naturais”. Para os jusagraristas, esse requisito é o embrião do Direito Ambiental, hoje considerado um ramo da Ciência Jurídica, ao menos no sistema legal brasileiro.  Aliás, o Direito Ambiental já figura, de há muito, nas grades curriculares dos cursos jurídicos como disciplina autônoma. Daí que, como jusagrarista por convicção e como jusambientalista por extensão, sinto-me no dever ético de manter a coerência nas minhas colocações jurídico-ideológicas.

  O consagrado “Dia Mundial do Meio Ambiente”, portanto, conduziu-me ao prudente silêncio das reflexões, principalmente na busca de sugestões a dar, para ações concretas, inclusive para a construção do cientificismo agrário, consciente de que não basta celebrar a data. O plantio de uma pequena muda de árvore, frutífera ou não, por exemplo, já seria uma ação construtiva. E, nesse pensar concentrado, lembrei-me dos inúmeros sítios rurais em que se transformaram pequenas e médias propriedades rurais da minha terra-berço (Buriti-Maranhão), depois da avassaladora fúria que se desencadeou, ali, com a abertura irrefreável de extensos campos de soja para a exportação. Reconheço que este é um assunto indigesto, para mim e para muitos, mas não se pode ficar apenas nas lamúrias e resmungos inconsequentes. É preciso fazer alguma coisa a mais; tomar alguma atitude concreta, ao menos para redirecionar saberes ou para reinventar concepções arraigadas.

  Dei-me conta de que os sítios rurais, em Buriti (MA) ou noutros lugares daquela microrregião, poderão desempenhar   uma nova função, ainda que as suas dimensões territoriais se caracterizem minifúndios, à luz da lei, ou seja, o imóvel rural com área inferior a um módulo fiscal. Ao que sei, um módulo fiscal naquele Município tem área de 70 hectares. Isso significa que as possibilidades de exploração econômica são compreensivelmente limitadas, por isso que já não se veem roças extensas de mandioca, milho, feijão, e, paralelamente, criações de animais de pequenos e médio portes, que havia até poucas anos atrás, numa autêntica paisagem de agricultura familiar pujante.

 E nessas elucubrações nostálgicas, ponderei, para mim mesmo, que não fui um agricultor familiar, mas meus pais o foram. Minha mãe teve um dos dedos de uma de suas mãos decepado na moagem de mandioca no caititu, numa “casa de farinha”, no lugarejo Barro Branco (Buriti-MA), onde nascera.  Meu pai, também a seu tempo, plantou roças, colheu cera de carnaúba, nas margens do “Velho Monge” (rio Parnaíba), no Angico Branco, também naquele município, onde nascera, na metade da segunda década do século passado. Graças a eles, galguei degraus, um a um, subindo a ladeira do saber, chegando ao topo de cursos superiores avançados, e, talvez por sina, enveredei-me pelos caminhos do jusagrarismo e do jusambientalíssimo científicos, marcados por concepções que admitem pensamentos críticos sem limites. São águas em que navego, com razoável desenvoltura.

  Nesta altura de minha vida oitentana, ainda posso formular encaminhamentos direcionados para soluções criativas, baseados na ideia de que os conhecimentos evoluem, tanto quanto os níveis de conscientização. Agora, por exemplo, questiono a classificação metodológica dos imóveis rurais, no Brasil -  imperativamente estabelecida no vetusto Estatuto da Terra, de 1964 -, não pode ficar presa ao dogmatismo jurídico, tendo por base empírica as dimensões das áreas especificadas, de forma cabalística, em regras estáticas. Indago: por que dizer que minifúndios devem ser combatidos e banidos, tanto quanto os latifúndios por extensão, do sistema terreal brasileiro, apenas porque não propiciam, aprioristicamente, respostas econômicas almejadas nas concepções mercadológicas do pensar capitalista? Não, não pode ser assim. A tão propalada “função social da terra”, atrelada à observância de requisitos simultâneos definidos em lei, deve ser repensada, sem desprezar a sua essência conceitual. Hoje, vejo que a conceituação de “sítios” ou “chácaras” que existem na nomenclatura das leis agrárias de meu País não devem continuar vestindo a extravagante roupagem adjetiva de “recreios” – e, por isso, classificadas como imóveis urbanos, mesmo que estejam situados na zona rural, a se prestarem somente   para fins tributários. Devo salientar que essa observação não traduz uma crítica a quem possua tais imóveis, porque também compreendo que o lazer, na axiologia jurídica, tem, igualmente, a sua dimensão constitucional. O que me parece, todavia, é que se deve evoluir no pensar sobre o papel que tais sítios possam desempenhar no contexto socioambiental. O preceito que densifica um dos requisitos fixados na “Lei de Comando” (ET), na alocução “assegura (r) a conservação dos recursos naturais”, deve ser entendido com dimensão mais abrangente. A própria Constituição (1988), ao estabelecer o requisito de que ora me ocupo, evoluiu para a alocução “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”. Essa ampliação permite novos pensares, sobretudo no vocábulo “disponíveis”; é dizer, da área de que o proprietário disponha ou de que passou a dispor, com a redução do seu território, bem como das potencialidades que lhe sobraram. É o caso típico das terras rurais buritienses. Lastimavelmente!

  É sabido que pequenas áreas – mais diminutas que sejam -, podem servir de espaço para atividades de hortifrutigranjeiras (hortaliças, avicultura, ranicultura, apicultura, piscicultura (pesque-pague), floricultura etc.), sem prejuízo do lazer, a que se destinam originariamente. Essas atividades são tipificadas, teórica e legalmente, como agrárias, ainda que não atinjam os parâmetros   econômicos preconizados, também em lei, mas não deixam de ser atividades desenvolvidas em imóveis. Na minha compreensão, o sentido econômico que deve orientar qualquer atividade humana   é ínsito, mas não o único. Estender os efeitos do trabalho para além da lucratividade imanente também importa, ainda mais quando se espraia para o interesse coletivo, onde repousam os valores da solidariedade, da fraternidade e da responsabilidade social. São valores que densificam a dignidade da pessoa humana. Não se ignora que a dignidade da pessoa humana é um dos mais importantes fundamentos da República brasileira. E é nessa linha que se coloca o preceptivo ordenador da participação da sociedade nas tarefas de proteção, preservação e conservação dos recursos naturais.

            É para essa direção que encaminho este ensaio, desfraldando a bandeira do socioambientalismo, como contributo científico a ser pautado na mesa do pensamento crítico, não apenas do jusagrarismo já sedimentado, mas também no jusambientalismo emergente. Incomoda-me o limbo em que se encontram os “sítios de recreio”, assim definidos na ordem legal existente, concebidos apenas para fins de tributação e distinguidos do conceito de imóvel rural, figurando na categoria de urbanos. Tal como estão, não me parece que estejam protegidos com as políticas do Estado. Bem por essa razão, o tema não se esgota nesta primeira parte.

                       OUSAR É PRECISO. AVANÇAR É NECESSÁRIO.

NOTA EXPLICATIVA – Dir-se-á, por certo desavisadamente, que a exploração desta temática, dentro de um veículo de comunicação de massa, foge aos seus propósitos, e que deve ser abordada em revistas especializadas ou em meios acadêmicos.  Ledo engano!  Acho que faz bem ao Correio Buritiense, um alvissareiro veículo de informação jornalística do interior maranhense, que se projeta para além do Município de Buriti e da região. Melhor para mim, que me aproveito do espaço franqueado pelo conterrâneo Aliandro Borges, para dar vazão ao meu pensamento crítico sobre temas da atualidade e, com isso, alargar o meu campo de pesquisa, mesmo afastado do cenário acadêmico.

SOBRE O AUTOR

- Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1967); cursos de Especializações (Direito Civil – Direito Agrário e Direito Comercial) e Mestrado em Direito Agrário, todos pela Universidade Federal de Goiás; Doutorado em Direito, pela Universidade Federal de Pernambuco; Professor de Direito Civil, na PUC-Goiás (1976-1984) e de Direito Civil e Direito Agrário (Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás /UFG (1980-2009). Advogado do Banco do Brasil (1968-1990). Diretor da Faculdade de Direito da UFG (2003-2005) e Vice-Reitor da UFG (2006-2010). Autor de livros jurídicos e não jurídicos (15) e de artigos científicos em revistas especializadas. Conferencista e palestrante em congressos, seminários e simpósios. Tem outorgas de títulos de “Cidadão Pedreirense” (1974), “Cidadão Goiano” (2007) e “Cidadão Goianiense” (1996), além de dezenas de medalhas de honra ao mérito. Pertence ao Quadro de Acadêmico-Fundador da Academia Buritiense de Artes, Letras e Ciências – ABALC, onde ocupa a Cadeira nº6, que tem como Patrono Plínio Ferreira Marques. Colabora com artigos e crônicas para o “Correio Buritiense”.

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