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A EXTINÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA E OS TEMORES JUSTIFICADOS

*Jusambientalista Prof. Benedito Ferreira Marques

   Com acentuado destaque e estardalhaços compreensíveis, os veículos de comunicação de massa vêm explorando a tramitação da PEC 39/11, que trata da extinção dos chamados “terrenos de marinha”, mediante a revogação de disposições pontuais na Carta Magna. A mudança   preconizada introduz radicais alterações no regime jurídico dos bens da União, afastando concepções já sedimentadas, com reflexos diretos para segmentos sociais interessados.   Se o assunto interessa a milhões de frequentadores de praias, ocupantes de imóveis suntuosos à beira-mar, comunidades de pescadores e a especuladores imobiliários insaciáveis, o tema também interessa aos jusambientalistas e aos jusagraristas que se dedicam a estudos e pesquisas relacionadas com o “meio ambiente ecologicamente protegido”, para os primeiros, e, para os segundos, com o enquadramento classificatório das atividades extrativistas da pesca (ainda que em alto mar), que são consideradas agrárias. Insiro-me entre as duas categorias, sob a óptica acadêmica, mesmo afastado da cátedra pelo implemento da idade.

  Com esse olhar acadêmico, venho observando que alguns apressados informadores da mídia ainda não conseguiram distinguir “terrenos de marinha”, de “terrenos da marinha”. Isso desinforma e confunde a opinião pública e, consequentemente, compromete a qualidade do debate que, ao meu pensar, deve permear a tramitação da emenda constitucional proposta, por envolver interesses contrapostos. Mais que isso, traz ao centro das discussões a compreensão mais aguda das ideias patrimonialista e humanista, em suas diferentes dimensões e nuanças.

   É necessário, portanto, que as informações midiáticas ofereçam elementos suficientemente claros para que toda a sociedade participe do processo legislativo em curso, até porque o tema se introduz, nuclearmente, na questão ambiental, cuja observância se impõe como dever do Poder Público e da sociedade.

   Também se observa que a discussão sobre a matéria envolve a conveniência e a oportunidade da aprovação da proposição, já que foi apresentada em 2021. Por que agora, com agendamento apressado na Comissão de Constituição e Justiça, com audiências públicas também açodadas? Esse modus operandi na elaboração de regras constitucionais de impactos pontuais no sistema patrimonial de bens públicos justifica as apreensões manifestadas por setores diretamente alcançados.  O que está proposto transfere, parcialmente, bens da União para Estados e Municípios, com repercussão até mesmo no sedimentado princípio da inalienabilidade de bens públicos. Além disso, as alterações pretendidas também modificam o sistema de controle do patrimônio público.  Fala-se em alteração vertical desse sistema, sabidamente blindado pelo poder discricionário. Isso assusta e abre ensejo para vaticínios sombrios na condução de processos alienativos do acervo dos bens alvejados. Não sem motivo, fala-se em “privatização das praias” e, por essa razão, a matéria precisa ser mais bem discutida por toda a sociedade.

   Salta aos olhos a percepção de que esse debate reclama uma compreensão teórica sobre terminologias jurídicas que permeiam legislações em seus níveis hierárquicos, a partir da própria Constituição Federal. Não se pode exigir de leigos noções sobre bens públicos e bens do domínio público, cujas diferenças conceituais repercutem nas relações entre o público e o privado. Afirmar-se que as praias serão privatizadas é um discurso argumentativo pertinente, a depender do ângulo de visão interpretativo da norma legislada, até porque se colocam, como protagonistas da cena, proprietários, possuidores ou ocupantes de residências permanentes ou “de veraneio”. Certamente, a segurança jurídica desses domínios privados passa a ser motivo de preocupações, a despeito da cláusula pétrea que acoberta o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; esta, em muitos casos.

  O que está posto na PEC 39/11 é, fundamentalmente, a transferência parcial de bens da União para Estados e Municípios, especificamente os “terrenos de marinha e seus acrescidos” que serão varridos da ordem jurídica constitucional e, por tabela, o secular instrumento da “enfiteuse”, muito conhecido pelos leigos como “aforamento”.

 Traçadas essas balizas teóricas, convém esclarecer para os segmentos desinformados o que a Lei Maior do Brasil considera “bens da União”, que não compreendem apenas os “terrenos de marinha”. Também se incluem “os lagos, rios e quaisquer correntes de águas em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de  um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a territórios estrangeiros ou deles provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais... as ilhas fluviais e lacustres, nas zonas limítrofes  com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a  unidade ambiental federal, e as  referidas áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que  estiverem no seu domínio, excluídas  aquelas sob  domínio da União, Municípios ou terceiros...“as terras  tradicionalmente  ocupadas pelos índios”.

    É assim, ao pé da letra, que está na “Constituição Cidadã” e, como se pode inferir, a disciplina jurídica sobre esses bens do domínio da União é bastante complexa, para ser modificada por uma Emenda Constitucional   restrita a dois dispositivos: o que revoga o  inciso VII do artigo 20 e o parágrafo 3° do artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais  Transitórias da atual Carta Magna do País. O primeiro dispositivo que a PEC 39/11 pretende revogar   apenas retira do rol de bens da União os “terrenos de marinha e seus acrescidos”, enquanto o segundo afasta a utilização do instituto da enfiteuse como instrumento das relações negociais que tenham por objeto os referidos bens.

     É justamente nessas mudanças pontuais do sistema dominial de uma categoria de bens do domínio público que residem os temores e resmungos de vários segmentos interessados. São receios assentados na cultura de desconfiança nos gestores públicos na condução de processos alienativos (venda ou concessões) descentralizados. Como se sabe, esses procedimentos são respaldados   pelo poder discricionário. Grosso modo, esse poder discricionário conferido aos agentes públicos – não todos, cumpre ressalvar -, propicia vulnerabilidades permeáveis a injunções políticas. Essa desconfiança, impregnada na cultura da população, nasce e prospera exatamente na distribuição descentralizada de competências para o controle de bens do domínio público.

   Há que se ter em linha de preocupação, em outro ângulo, o exercício das atividades pesqueiras por milhões de pessoas, das quais retiram a sua renda para o seu sustento e de suas famílias.

     A discussão que está posta não se restringe, ao fim e ao cabo, à extinção dos terrenos de marinha e seus acrescidos, ou à indesejada “privatização das praias”, ou, ainda, aos jusagraristas que estudam as atividades extrativistas dos pescadores como objeto do Direito Agrário. Como se vê, também se estende a conjeturas insondáveis de caráter subjetivo com relação aos agentes públicos. Lastimavelmente!

 QUANDO VIRES UM JABUTI TREPADO NUMA FORQUILA, NÃO BOLE NELE; PERGUNTA QUEM O PÔS LÁ: FOI ENCHENTE OU MÃO DE GENTE! 

(ditado popular)

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